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O papel do solo e das pastagens no balanço de carbono de fazendas leiteiras

Mudanças climáticas afetam produtividade e emissões na pecuária leiteira. Estudo mineiro mostra gargalos e estratégias para reduzir impacto ambiental. Confira!

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Desafios da produção leiteira frente às mudanças climáticas

O crescimento da população mundial, estimado entre 30 e 35% para as próximas décadas, chegando, em 2050, a estimados 9,6 bilhões de pessoas, resultará em um aumento de aproximadamente 70% da demanda global por alimentos (SEARCHINGER et al., 2019; VAN DIJK et al., 2021; UNITED STATES, 2023). 

Nesse contexto, o Brasil, como um dos principais produtores mundiais, deverá assumir protagonismo na garantia da segurança alimentar de grande parte do globo. No entanto, a produção agropecuária é extremamente vulnerável às variações dos padrões climáticos de temperatura e precipitação, podendo levar o declínio da produção comprometendo a produtividade de vários segmentos como o do setor leiteiro.

O primeiro o para gerenciar o risco relacionado às mudanças climáticas é o inventário de emissões e remoções de gases de efeito estufa no setor leiteiro, a partir do qual será possível identificar possíveis oportunidades e estratégias para uma produção mais sustentável. Recentemente, propriedades produtoras de leite participantes do Programa Educampo em Minas Gerais aram por avaliações detalhadas para determinar seu balanço e estoque de carbono, visando definir estratégias de produção mais sustentáveis alinhadas às práticas ESG (Environmental, Social and Governance). 

 

Panorama das emissões e remoções de carbono em fazendas leiteiras mineiras

O processo de avaliação envolveu diferentes etapas e foi fruto de uma parceria entre pesquisadores do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Minas Gerais (SEBRAE-MG) e a Universidade Federal de Viçosa. Ao longo de cerca de um ano realizou-se um estudo detalhado sobre emissões e remoções de gases de efeito estufa (GEE) em propriedades leiteiras participantes do Programa Educampo em Minas Gerais, utilizando metodologias recomendadas pelo Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), mediadas por recomendações do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

O limite organizacional foi a propriedade rural coletando-se as fontes de emissões diretamente relacionadas a atividade leiteira (Escopo 1), incluindo fermentação entérica, manejo de dejetos, consumo de combustíveis e fertilizantes, além das indiretas relacionadas ao consumo de eletricidade (Escopo 2).

As áreas de preservação permanente (APP) e de reserva legal (RL), proporcionalmente calculadas conforme a área produtiva de cada propriedade, serviram como fontes de remoção. Adicionalmente, foi analisado o estoque de carbono presente nas pastagens (biomassa viva e morta) e no solo, através de coletas realizadas em julho de 2024.

As fazendas leiteiras avaliadas apresentaram emissões de gases de efeito estufa superiores às remoções, com resultados variando de 0,766 kg a 1,273 Kg CO² equivalente por quilograma de leite. A principal fonte dessas emissões foi a fermentação entérica, representado até 78,55 % das emissões.

A variação significativa entre as fazendas pode ser explicada principalmente pela estrutura do rebanho e níveis de produtividade. Como exemplo, na fazenda menos eficiente, apenas 28,24% do rebanho era composto por vacas lactantes com produção média de 16,7 litros por dia, enquanto na fazenda mais eficiente, 47,26% dos animais eram lactantes, produzindo, em média, 35,5 litros de leite por dia. Essa diferença teve grande impacto sobre as emissões relativas por quilograma de leite.

O estoque de carbono nas pastagens também foi avaliado. Na fazenda menos eficiente, as áreas pastejadas por novilhas e vacas apresentaram estoques que variaram de 1,71 a 4,74 MgCO²e/ha. Já na fazenda mais eficiente, o estoque foi maior, com 13,46 MgCO²e/ha, de forma homogênea na propriedade. Em termos de biomassa morta, os estoques também foram superiores na fazenda mais eficiente (5,62 MgCO²e/ha), especialmente devido ao déficit hídrico ocorrido no período da coleta.

Esses resultados reforçam que existe espaço para melhorar o manejo dos animais e da pastagem para contribuir com a sustentabilidade das propriedades leiteiras. Na literatura, algumas formas de reduzir o impacto da produção de leite em relação às mudanças climáticas são pela melhoria de índices reprodutivos e produtivos com rebanhos leiteiros de alta produtividade e animais mais eficientes (TOMICH et al., 2016). À medida que a produção individual das vacas aumenta, a emissão de metano com base no produto diminui (BEAUCHEMIN et al., 2022). 

 

Características da fazenda menos eficiente

A Fazenda possui uma área total de 186 hectares, dos quais 143 ha são destinados à atividade leiteira, sendo 89 ha ocupados por pastagens. O sistema de produção é semiconfinado, com predominância da raça Girolando. O rebanho é composto por 131 animais, incluindo 37 vacas em lactação (28,24%) e 12 vacas secas (9,16%). A categoria de animais jovens e novilhas representa a maior parte do rebanho, com 80 indivíduos (61,07%), além de 2 touros (1,53%). A produtividade média das vacas em lactação é de 16,7 litros de leite por dia. As informações utilizadas para os cálculos de emissões e remoções de carbono foram coletadas pela equipe do programa Família do Leite, em parceria com o consultor do Sebrae/Educampo responsável pela propriedade.

 

Balanço de Carbono

Durante o período avaliado (01/05/2023 a 30/04/2024), a atividade leiteira da fazenda emitiu um total de 296,237 MgCO²e. A principal fonte de emissão foi a fermentação entérica, responsável por 78,57% do total (Figura 1). Esse resultado está em conformidade com estudos apresentados pela Embrapa no Anuário do Leite, cujo objetivo era demonstrar a necessidade da redução das emissões de carbono do leite com melhorias no sistema de produção. Os dados desta pesquisa apontam a fermentação entérica como a principal fonte de metano em sistemas semiconfinados, com contribuição superior a 50% das emissões totais (TOMIGH et al., 2024).

Figura 1. Inventário das emissões (MgCO2e) da fazenda menos eficiente.

Figura 1

 

Os valores de emissão foram convertidos para a base de 1 kg de leite produzido, a fim de facilitar a compreensão e a comparação dos resultados. Assim, a emissão total foi de 1,273 kg de CO² equivalente (CO²e) por kg de leite (Figura 2), sendo que a maior parte dessa emissão está associada à fermentação entérica dos ruminantes.

Estudos realizados pela Embrapa Gado de Leite no Brasil identificaram valor semelhante, com emissão média de 1,2 kg CO²e por kg de leite corrigido para gordura e proteína (TOMIGH et al., 2024). Dados da FAO (2022) apontam intensidades menores de emissão para a produção de leite na China, Nova Zelândia, Rússia, França, Turquia, Alemanha e Estados Unidos com valores inferiores a 1,0 Kg de CO2 equivalente por kg de leite. Assim, há espaço para melhorias nas fazendas do território brasileiro como um todo, afim de reduzir as emissões em relação aos demais países, especialmente os da Europa e EUA.

A propriedade apresenta produtividade média por vaca de 16,7 litros de leite/dia, o que corresponde a 17,23 kg de leite/dia. Esse valor é consideravelmente superior à média nacional, estimada em 7,5 litros de leite por vaca/dia (NEIVA et al., 2024), indicando que os animais apresentam o dobro da produtividade média observada no país, se considerarmos a análise feita de forma global de produtividade.

Figura 2. Emissões da fazenda 1 por unidade de produto (kgCO2e/kg de leite)

Figura 2

O balanço de carbono da atividade leiteira foi de +113,627 Mg CO²e, indicando que as emissões de GEE superaram as remoções, caracterizando um balanço positivo. Em relação às remoções, o produtor declarou a existência de 31 hectares de floresta nativa localizada no bioma Mata Atlântica, com mais de 30 anos de idade. Considerando que 143 dos 186 hectares totais da propriedade são destinados à atividade leiteira, foi adotada uma área proporcional de 28,60 hectares para o cálculo das remoções associadas à pecuária. Aplicando-se um fator de incremento de 6,384 Mg CO²e/ha.ano, encontrado por Silva (2017), a remoção total anual estimada foi de -182,620 Mg CO²e no período inventariado (Figura 3).

Figura 3. Emissões, remoções e balanço de carbono (MgCO2e).

 

Figura 3

 

Embora nos cálculos tradicionais da pegada de carbono de produtos, normalmente sejam consideradas apenas as emissões, entende-se que os valores de remoção de gases de efeito estufa também devem ser incorporados à análise. Sistemas como as pastagens, por exemplo, tem a capacidade de sequestrar carbono da atmosfera e armazenar no solo (ZEN et al., 2008; CUNHA et al., 2016), podendo ser uma importante fonte de remoção de carbono. 

As Figuras 4 e 5 apresentam os estoques de carbono (C) no solo das áreas de cultivo de milho, pastagem para vacas, pastagem para novilhas e mata nativa. As frações de matéria orgânica particulada (MOP) representam o carbono com menor tempo de permanência no solo, sendo, portanto, mais suscetíveis à perda para a atmosfera na forma de CO². Por outro lado, o carbono associado aos minerais do solo (MOAM) corresponde à fração mais estável, caracterizando-se como carbono efetivamente sequestrado por períodos mais longos.

A maior parte do carbono estocado no solo foi observada na fração MOAM, com valores variando entre 38,5 e 51,8 Mg.C/ha na camada de 0–20 cm (Figura 4). É importante destacar que, em todas as propriedades avaliados, os maiores estoques de carbono concentram-se na camada superficial do solo (0–20 cm).

Figura 4. Estoques de C associado a Matéria Orgânica Particulada – MOP (Figura 4 a) e Matéria Orgânica Associada aos minerais do solo – MOAM (Mg ha-1) (Figura 4 b) em diferentes profundidades do solo (0-20, 20-40 e 40-60 cm).

Gráfico
Descrição gerada automaticamente

 

As análises dos estoques totais de carbono (C) no perfil de 0 a 20; 20-40 e 40-60cm do solo em conjunto com diferentes usos da propriedade (Figura 4), em comparação com a área de mata nativa utilizada como referência, demonstrou uma redução de 22,26 Mg/ha e 4,40 Mg/ha nos estoques totais de C nas áreas de cultivo de milho e pastagem com novilhas, respectivamente (Figura 4). Essas perdas correspondem às emissões equivalentes de 365,07 Mg CO²e/ha para o milho e 430,54 Mg CO²e/ha para a pastagem com novilhas. Esses resultados evidenciam o papel do solo como potencial fonte de emissão de CO², especialmente quando submetido a manejos inadequados que favorecem a mineralização do carbono presente nas frações da matéria orgânica do solo.

Por outro lado, os diferentes usos do solo ainda apresentam capacidade de sequestro adicional de carbono, sobretudo se forem adotadas práticas que favoreçam o aumento de carbono na fração mais estável da matéria orgânica, a MOAM. As áreas de lavoura de milho e pastagem com novilhas apresentaram os maiores potenciais de acúmulo de carbono no solo na camada de 0–60 cm, com valores de 74,85 Mg/ha e 73,19 Mg/ha, respectivamente. Esses valores representam um potencial de remoção da atmosfera de 274,46 Mg CO²e/ha e 268,37 Mg CO²e/ha, respectivamente, contribuindo significativamente para a mitigação das emissões.

Figura 5. Estoques de Carbono Orgânico Total (Figura 5 a) e Nitrogênio Total (Mg ha-1) (Figura 5 b) em diferentes profundidades do solo (0-20, 20-40, 40-60 e 0-60 cm).

Gráfico, Linha do tempo
Descrição gerada automaticamente

 

Estoque de Carbono na Biomassa Viva das Pastagens

A avaliação do estoque de carbono nas pastagens foi realizada considerando dois cenários:

  1. Cenário A: área pastejada por novilhas

  2. Cenário B: área pastejada por vacas em lactação

Os valores de biomassa viva e os respectivos valores em Mg. C/ha e Mg CO2e/ha para cada cenário são apresentados na Tabela 1.

TABELA 1. Valores de biomassa (Mg/ha), estoque de carbono (Mg. C/ha) e de carbono equivalente (Mg CO2e/ha) para cada cenário de pastejo

Cenários

Biomassa viva (Mg.C/ha)

Estoque de carbono (Mg.C/ha)

Estoque de carbono equivalente (MgCO2e.ha)

A – Pastejo novilha

2,69

1,29

4,74

B – Pastejo vacas em lactação

0,97

0,47

1,71

Embora o estoque de carbono em pastagens seja inferior ao de sistemas arbóreos, ele ainda representa uma contribuição relevante na mitigação das mudanças climáticas e pode auxiliar na compensação das emissões da pecuária leiteira.

 

Estoque de Carbono na Biomassa Morta (Pasto Seco, Serapilheira e Palhada de Milho)

A biomassa morta inclui o pasto seco e a serapilheira, sendo esta composta por materiais mortos acumulados sobre o solo, como folhas, galhos e restos de raízes. Os cálculos de estoque foram realizados considerando que 37% da biomassa morta era carbono (IPCC, 2006; Tabela 2).

TABELA 2. Valores de biomassa (Mg/ha), estoque de carbono (Mg. C/ha) e de carbono equivalente (Mg CO2e/ha) para cada cenário de pastejo e lavoura de milho

Cenários

Biomassa morta (Mg.C/ha)

Estoque de carbono (Mg.C/ha)

Estoque de carbono equivalente (MgCO2e.ha)

A – Pastejo novilha

2,50

0,93

3,40

B – Pastejo vacas em lactação

3,01

1,11

4,09

C - Palhada de milho

1,45

0,54

1,97

 

Percebe-se uma discrepância de valores de biomassa entre a área pastejada pelas novilhas e pelas vacas cujos valores foram respectivamente de 2,50 Mg/ha e 3,01 Mg/ha A diferença observada pode estar relacionada à maior intensidade de pastejo nas áreas das novilhas, reduzindo o acúmulo de material morto.

A realização das análises de estoque de carbono nos diferentes compartimentos — como pastagens e solo— foi fundamental para quantificar o aporte de CO² equivalente (CO²e) presente em cada um desses componentes. A continuidade dessas avaliações é essencial para que se possa, futuramente, estimar os incrementos de carbono ao longo do tempo, permitindo sua incorporação nos cálculos de balanço de carbono das propriedades.

Os resultados indicam que, diferentes manejos na propriedade podem gerar importantes mudanças no sequestro de CO2, evidenciando a importâncias das práticas adaptadas à realidade de cada fazenda. Nesse sentido, é imprescindível fomentar estudos que avaliem o potencial de sequestro de carbono do solo e das pastagens. Apenas com base em evidências científicas robustas será possível reivindicar, junto a órgãos reguladores e às metodologias oficiais de contabilização de emissões, o reconhecimento desses compartimentos como instrumentos efetivos na mitigação das emissões da pecuária leiteira. Mostrar esse potencial de remoção é um o estratégico para valorizar ainda mais a sustentabilidade do setor.


Polyana Pizzi Rotta1

Isabella SalgadoFaustino2

Laércio Antônio Gonçalves Jacovine

Rafael da Silva Teixeira3

Pablo Murta Baião Albino 4

Viviani Silva Lirio4

Luís Henrique Rodrigues Silva1

 

1- Departamento de Zootecnia – Universidade Federal de Viçosa

2- Departamento de Engenharia Florestal – Universidade Federal de Viçosa

3- Departamento de Solos – Universidade Federal de Viçosa

4- Departamento de Economia Rural – Universidade Federal de Viçosa

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Material escrito por:

Polyana Pizzi Rotta

Polyana Pizzi Rotta

Professora de Produção e Nutrição de Bovinos de Leite da UFV e coordenadora do Programa Família do Leite

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Luis Henrique Rodrigues Silva

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O papel do solo e das pastagens no balanço de carbono de fazendas leiteiras

Mudanças climáticas afetam produtividade e emissões na pecuária leiteira. Estudo mineiro mostra gargalos e estratégias para reduzir impacto ambiental. Confira!

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Desafios da produção leiteira frente às mudanças climáticas

O crescimento da população mundial, estimado entre 30 e 35% para as próximas décadas, chegando, em 2050, a estimados 9,6 bilhões de pessoas, resultará em um aumento de aproximadamente 70% da demanda global por alimentos (SEARCHINGER et al., 2019; VAN DIJK et al., 2021; UNITED STATES, 2023). 

Nesse contexto, o Brasil, como um dos principais produtores mundiais, deverá assumir protagonismo na garantia da segurança alimentar de grande parte do globo. No entanto, a produção agropecuária é extremamente vulnerável às variações dos padrões climáticos de temperatura e precipitação, podendo levar o declínio da produção comprometendo a produtividade de vários segmentos como o do setor leiteiro.

O primeiro o para gerenciar o risco relacionado às mudanças climáticas é o inventário de emissões e remoções de gases de efeito estufa no setor leiteiro, a partir do qual será possível identificar possíveis oportunidades e estratégias para uma produção mais sustentável. Recentemente, propriedades produtoras de leite participantes do Programa Educampo em Minas Gerais aram por avaliações detalhadas para determinar seu balanço e estoque de carbono, visando definir estratégias de produção mais sustentáveis alinhadas às práticas ESG (Environmental, Social and Governance). 

 

Panorama das emissões e remoções de carbono em fazendas leiteiras mineiras

O processo de avaliação envolveu diferentes etapas e foi fruto de uma parceria entre pesquisadores do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Minas Gerais (SEBRAE-MG) e a Universidade Federal de Viçosa. Ao longo de cerca de um ano realizou-se um estudo detalhado sobre emissões e remoções de gases de efeito estufa (GEE) em propriedades leiteiras participantes do Programa Educampo em Minas Gerais, utilizando metodologias recomendadas pelo Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), mediadas por recomendações do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

O limite organizacional foi a propriedade rural coletando-se as fontes de emissões diretamente relacionadas a atividade leiteira (Escopo 1), incluindo fermentação entérica, manejo de dejetos, consumo de combustíveis e fertilizantes, além das indiretas relacionadas ao consumo de eletricidade (Escopo 2).

As áreas de preservação permanente (APP) e de reserva legal (RL), proporcionalmente calculadas conforme a área produtiva de cada propriedade, serviram como fontes de remoção. Adicionalmente, foi analisado o estoque de carbono presente nas pastagens (biomassa viva e morta) e no solo, através de coletas realizadas em julho de 2024.

As fazendas leiteiras avaliadas apresentaram emissões de gases de efeito estufa superiores às remoções, com resultados variando de 0,766 kg a 1,273 Kg CO² equivalente por quilograma de leite. A principal fonte dessas emissões foi a fermentação entérica, representado até 78,55 % das emissões.

A variação significativa entre as fazendas pode ser explicada principalmente pela estrutura do rebanho e níveis de produtividade. Como exemplo, na fazenda menos eficiente, apenas 28,24% do rebanho era composto por vacas lactantes com produção média de 16,7 litros por dia, enquanto na fazenda mais eficiente, 47,26% dos animais eram lactantes, produzindo, em média, 35,5 litros de leite por dia. Essa diferença teve grande impacto sobre as emissões relativas por quilograma de leite.

O estoque de carbono nas pastagens também foi avaliado. Na fazenda menos eficiente, as áreas pastejadas por novilhas e vacas apresentaram estoques que variaram de 1,71 a 4,74 MgCO²e/ha. Já na fazenda mais eficiente, o estoque foi maior, com 13,46 MgCO²e/ha, de forma homogênea na propriedade. Em termos de biomassa morta, os estoques também foram superiores na fazenda mais eficiente (5,62 MgCO²e/ha), especialmente devido ao déficit hídrico ocorrido no período da coleta.

Esses resultados reforçam que existe espaço para melhorar o manejo dos animais e da pastagem para contribuir com a sustentabilidade das propriedades leiteiras. Na literatura, algumas formas de reduzir o impacto da produção de leite em relação às mudanças climáticas são pela melhoria de índices reprodutivos e produtivos com rebanhos leiteiros de alta produtividade e animais mais eficientes (TOMICH et al., 2016). À medida que a produção individual das vacas aumenta, a emissão de metano com base no produto diminui (BEAUCHEMIN et al., 2022). 

 

Características da fazenda menos eficiente

A Fazenda possui uma área total de 186 hectares, dos quais 143 ha são destinados à atividade leiteira, sendo 89 ha ocupados por pastagens. O sistema de produção é semiconfinado, com predominância da raça Girolando. O rebanho é composto por 131 animais, incluindo 37 vacas em lactação (28,24%) e 12 vacas secas (9,16%). A categoria de animais jovens e novilhas representa a maior parte do rebanho, com 80 indivíduos (61,07%), além de 2 touros (1,53%). A produtividade média das vacas em lactação é de 16,7 litros de leite por dia. As informações utilizadas para os cálculos de emissões e remoções de carbono foram coletadas pela equipe do programa Família do Leite, em parceria com o consultor do Sebrae/Educampo responsável pela propriedade.

 

Balanço de Carbono

Durante o período avaliado (01/05/2023 a 30/04/2024), a atividade leiteira da fazenda emitiu um total de 296,237 MgCO²e. A principal fonte de emissão foi a fermentação entérica, responsável por 78,57% do total (Figura 1). Esse resultado está em conformidade com estudos apresentados pela Embrapa no Anuário do Leite, cujo objetivo era demonstrar a necessidade da redução das emissões de carbono do leite com melhorias no sistema de produção. Os dados desta pesquisa apontam a fermentação entérica como a principal fonte de metano em sistemas semiconfinados, com contribuição superior a 50% das emissões totais (TOMIGH et al., 2024).

Figura 1. Inventário das emissões (MgCO2e) da fazenda menos eficiente.

Figura 1

 

Os valores de emissão foram convertidos para a base de 1 kg de leite produzido, a fim de facilitar a compreensão e a comparação dos resultados. Assim, a emissão total foi de 1,273 kg de CO² equivalente (CO²e) por kg de leite (Figura 2), sendo que a maior parte dessa emissão está associada à fermentação entérica dos ruminantes.

Estudos realizados pela Embrapa Gado de Leite no Brasil identificaram valor semelhante, com emissão média de 1,2 kg CO²e por kg de leite corrigido para gordura e proteína (TOMIGH et al., 2024). Dados da FAO (2022) apontam intensidades menores de emissão para a produção de leite na China, Nova Zelândia, Rússia, França, Turquia, Alemanha e Estados Unidos com valores inferiores a 1,0 Kg de CO2 equivalente por kg de leite. Assim, há espaço para melhorias nas fazendas do território brasileiro como um todo, afim de reduzir as emissões em relação aos demais países, especialmente os da Europa e EUA.

A propriedade apresenta produtividade média por vaca de 16,7 litros de leite/dia, o que corresponde a 17,23 kg de leite/dia. Esse valor é consideravelmente superior à média nacional, estimada em 7,5 litros de leite por vaca/dia (NEIVA et al., 2024), indicando que os animais apresentam o dobro da produtividade média observada no país, se considerarmos a análise feita de forma global de produtividade.

Figura 2. Emissões da fazenda 1 por unidade de produto (kgCO2e/kg de leite)

Figura 2

O balanço de carbono da atividade leiteira foi de +113,627 Mg CO²e, indicando que as emissões de GEE superaram as remoções, caracterizando um balanço positivo. Em relação às remoções, o produtor declarou a existência de 31 hectares de floresta nativa localizada no bioma Mata Atlântica, com mais de 30 anos de idade. Considerando que 143 dos 186 hectares totais da propriedade são destinados à atividade leiteira, foi adotada uma área proporcional de 28,60 hectares para o cálculo das remoções associadas à pecuária. Aplicando-se um fator de incremento de 6,384 Mg CO²e/ha.ano, encontrado por Silva (2017), a remoção total anual estimada foi de -182,620 Mg CO²e no período inventariado (Figura 3).

Figura 3. Emissões, remoções e balanço de carbono (MgCO2e).

 

Figura 3

 

Embora nos cálculos tradicionais da pegada de carbono de produtos, normalmente sejam consideradas apenas as emissões, entende-se que os valores de remoção de gases de efeito estufa também devem ser incorporados à análise. Sistemas como as pastagens, por exemplo, tem a capacidade de sequestrar carbono da atmosfera e armazenar no solo (ZEN et al., 2008; CUNHA et al., 2016), podendo ser uma importante fonte de remoção de carbono. 

As Figuras 4 e 5 apresentam os estoques de carbono (C) no solo das áreas de cultivo de milho, pastagem para vacas, pastagem para novilhas e mata nativa. As frações de matéria orgânica particulada (MOP) representam o carbono com menor tempo de permanência no solo, sendo, portanto, mais suscetíveis à perda para a atmosfera na forma de CO². Por outro lado, o carbono associado aos minerais do solo (MOAM) corresponde à fração mais estável, caracterizando-se como carbono efetivamente sequestrado por períodos mais longos.

A maior parte do carbono estocado no solo foi observada na fração MOAM, com valores variando entre 38,5 e 51,8 Mg.C/ha na camada de 0–20 cm (Figura 4). É importante destacar que, em todas as propriedades avaliados, os maiores estoques de carbono concentram-se na camada superficial do solo (0–20 cm).

Figura 4. Estoques de C associado a Matéria Orgânica Particulada – MOP (Figura 4 a) e Matéria Orgânica Associada aos minerais do solo – MOAM (Mg ha-1) (Figura 4 b) em diferentes profundidades do solo (0-20, 20-40 e 40-60 cm).

Gráfico
Descrição gerada automaticamente

 

As análises dos estoques totais de carbono (C) no perfil de 0 a 20; 20-40 e 40-60cm do solo em conjunto com diferentes usos da propriedade (Figura 4), em comparação com a área de mata nativa utilizada como referência, demonstrou uma redução de 22,26 Mg/ha e 4,40 Mg/ha nos estoques totais de C nas áreas de cultivo de milho e pastagem com novilhas, respectivamente (Figura 4). Essas perdas correspondem às emissões equivalentes de 365,07 Mg CO²e/ha para o milho e 430,54 Mg CO²e/ha para a pastagem com novilhas. Esses resultados evidenciam o papel do solo como potencial fonte de emissão de CO², especialmente quando submetido a manejos inadequados que favorecem a mineralização do carbono presente nas frações da matéria orgânica do solo.

Por outro lado, os diferentes usos do solo ainda apresentam capacidade de sequestro adicional de carbono, sobretudo se forem adotadas práticas que favoreçam o aumento de carbono na fração mais estável da matéria orgânica, a MOAM. As áreas de lavoura de milho e pastagem com novilhas apresentaram os maiores potenciais de acúmulo de carbono no solo na camada de 0–60 cm, com valores de 74,85 Mg/ha e 73,19 Mg/ha, respectivamente. Esses valores representam um potencial de remoção da atmosfera de 274,46 Mg CO²e/ha e 268,37 Mg CO²e/ha, respectivamente, contribuindo significativamente para a mitigação das emissões.

Figura 5. Estoques de Carbono Orgânico Total (Figura 5 a) e Nitrogênio Total (Mg ha-1) (Figura 5 b) em diferentes profundidades do solo (0-20, 20-40, 40-60 e 0-60 cm).

Gráfico, Linha do tempo
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Estoque de Carbono na Biomassa Viva das Pastagens

A avaliação do estoque de carbono nas pastagens foi realizada considerando dois cenários:

  1. Cenário A: área pastejada por novilhas

  2. Cenário B: área pastejada por vacas em lactação

Os valores de biomassa viva e os respectivos valores em Mg. C/ha e Mg CO2e/ha para cada cenário são apresentados na Tabela 1.

TABELA 1. Valores de biomassa (Mg/ha), estoque de carbono (Mg. C/ha) e de carbono equivalente (Mg CO2e/ha) para cada cenário de pastejo

Cenários

Biomassa viva (Mg.C/ha)

Estoque de carbono (Mg.C/ha)

Estoque de carbono equivalente (MgCO2e.ha)

A – Pastejo novilha

2,69

1,29

4,74

B – Pastejo vacas em lactação

0,97

0,47

1,71

Embora o estoque de carbono em pastagens seja inferior ao de sistemas arbóreos, ele ainda representa uma contribuição relevante na mitigação das mudanças climáticas e pode auxiliar na compensação das emissões da pecuária leiteira.

 

Estoque de Carbono na Biomassa Morta (Pasto Seco, Serapilheira e Palhada de Milho)

A biomassa morta inclui o pasto seco e a serapilheira, sendo esta composta por materiais mortos acumulados sobre o solo, como folhas, galhos e restos de raízes. Os cálculos de estoque foram realizados considerando que 37% da biomassa morta era carbono (IPCC, 2006; Tabela 2).

TABELA 2. Valores de biomassa (Mg/ha), estoque de carbono (Mg. C/ha) e de carbono equivalente (Mg CO2e/ha) para cada cenário de pastejo e lavoura de milho

Cenários

Biomassa morta (Mg.C/ha)

Estoque de carbono (Mg.C/ha)

Estoque de carbono equivalente (MgCO2e.ha)

A – Pastejo novilha

2,50

0,93

3,40

B – Pastejo vacas em lactação

3,01

1,11

4,09

C - Palhada de milho

1,45

0,54

1,97

 

Percebe-se uma discrepância de valores de biomassa entre a área pastejada pelas novilhas e pelas vacas cujos valores foram respectivamente de 2,50 Mg/ha e 3,01 Mg/ha A diferença observada pode estar relacionada à maior intensidade de pastejo nas áreas das novilhas, reduzindo o acúmulo de material morto.

A realização das análises de estoque de carbono nos diferentes compartimentos — como pastagens e solo— foi fundamental para quantificar o aporte de CO² equivalente (CO²e) presente em cada um desses componentes. A continuidade dessas avaliações é essencial para que se possa, futuramente, estimar os incrementos de carbono ao longo do tempo, permitindo sua incorporação nos cálculos de balanço de carbono das propriedades.

Os resultados indicam que, diferentes manejos na propriedade podem gerar importantes mudanças no sequestro de CO2, evidenciando a importâncias das práticas adaptadas à realidade de cada fazenda. Nesse sentido, é imprescindível fomentar estudos que avaliem o potencial de sequestro de carbono do solo e das pastagens. Apenas com base em evidências científicas robustas será possível reivindicar, junto a órgãos reguladores e às metodologias oficiais de contabilização de emissões, o reconhecimento desses compartimentos como instrumentos efetivos na mitigação das emissões da pecuária leiteira. Mostrar esse potencial de remoção é um o estratégico para valorizar ainda mais a sustentabilidade do setor.


Polyana Pizzi Rotta1

Isabella SalgadoFaustino2

Laércio Antônio Gonçalves Jacovine

Rafael da Silva Teixeira3

Pablo Murta Baião Albino 4

Viviani Silva Lirio4

Luís Henrique Rodrigues Silva1

 

1- Departamento de Zootecnia – Universidade Federal de Viçosa

2- Departamento de Engenharia Florestal – Universidade Federal de Viçosa

3- Departamento de Solos – Universidade Federal de Viçosa

4- Departamento de Economia Rural – Universidade Federal de Viçosa

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Material escrito por:

Polyana Pizzi Rotta

Polyana Pizzi Rotta

Professora de Produção e Nutrição de Bovinos de Leite da UFV e coordenadora do Programa Família do Leite

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Luis Henrique Rodrigues Silva

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