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O futuro das Indicações Geográficas e queijos artesanais mineiros: desafios e perspectivas

As Indicações Geográficas (IG) desempenham um papel central na valorização de produtos com características intrinsecamente ligadas à sua origem. Confira!

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As Indicações Geográficas (IG) desempenham um papel central na valorização de produtos com características intrinsecamente ligadas à sua origem, destacando-se os seus atributos de identidade e qualidade, além da tradição, ou seja, o “saber fazer histórico”. No Brasil, as IGs são regulamentadas pela Lei da Propriedade Industrial nº 9.279/1996 e gerenciadas pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Elas são particularmente importantes para produtos agroalimentares, como queijos e vinhos, cujo terroir – as condições ambientais de uma região – influencia diretamente suas propriedades.

O papel do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) é crucial nesse cenário, atuando na normatização e promoção das IGs em parceria com entidades como o SEBRAE. Essas cooperações estratégicas visam identificar novas regiões com potencial para IGs, além de oferecer e técnico e legislativo, fomentando a preservação da rica diversidade agroalimentar e cultural brasileira.

Embora o Brasil possua um imenso potencial para o reconhecimento de suas IGs, ainda há um longo caminho a ser percorrido para que uma maior diversidade de produtos com aptidão para essa categorização seja efetivamente reconhecida. Existem setores específicos, como o de queijos artesanais, que possuem apenas 6 IGs registradas pelo INPI (sendo 3 delas no Estado de Minas Gerais) e demonstram claramente a necessidade de um reconhecimento mais robusto quanto às suas tradições e peculiaridades regionais.

Os Queijos Artesanais, por sua natureza regional e produção em pequena escala, são particularmente propensos a refletir a identidade geográfica de sua origem. Cada região possui um microclima, solo, flora e fauna específicos que influenciam diretamente na qualidade do leite, escolha dos ingredientes e técnicas de produção, resultando em queijos com sabores, texturas e aromas únicos. As características intrínsecas dos queijos artesanais, associadas ao baixo número de IGs registradas, suscitam importantes questionamentos sobre a realidade e a maturidade do cenário nacional de produção desse tipo de queijo para o desenvolvimento e a manutenção de IGs.

Diante deste cenário, o artigo tem o objetivo de examinar os desafios e as oportunidades para o fortalecimento das IG dos queijos artesanais mineiros. O foco é destacar o grande potencial ainda não explorado para expandir essas certificações, especialmente em regiões que carecem de reconhecimento formal. Além disso, o artigo aborda a necessidade de investimentos mais robustos em infraestrutura técnica e jurídica, bem como a conscientização dos produtores e consumidores sobre o valor das IGs. A preservação das tradições regionais e a proteção contra fraudes são apontadas como pilares fundamentais para assegurar a sustentabilidade e o desenvolvimento econômico local. Em última instância, a valorização das IGs não apenas preserva o patrimônio cultural, mas também amplia a competitividade dos produtos no mercado global.

Indicação Geográfica no Brasil

O desenvolvimento das IGs no Brasil tem mostrado um crescimento expressivo desde sua introdução formal na década de 1990, embora o primeiro registro oficial tenha ocorrido apenas em 2002, com o Vale dos Vinhedos (vinho). Ao longo dos anos, políticas estaduais e federais, combinadas com esforços de organizações de pesquisa, movimentos sociais e a integração de produtores locais, têm fortalecido esse sistema. A adoção e expansão das IGs no Brasil tem manifestado um crescimento substancial, especialmente a partir de 2011, como é possível observar na Figura 1. Esse aumento pode ser atribuído à promoção de políticas públicas nacionais e ao apoio de órgãos como MAPA e SEBRAE.

Dados do INPI de julho de 2024 revelam que o país possui atualmente 119 IGs registradas. Em comparação, esse número era de 75 em 2021 e de 41 em 2015, evidenciando um crescimento acelerado nos últimos anos. Além das políticas públicas, tal incremento está associado a um movimento global de valorização de produtos com identidade regional e autenticidade.

Dentre essas 119 IGs, 43 se concentram no Sudeste, consolidando-a como região com maior número de produtos com procedência reconhecida. O setor agroalimentar se destaca como o principal beneficiário dessa chancela, com 95 produtos detentores de IG, sendo que desses apenas 6 são de queijos.

A Figura 1, além de evidenciar uma forte expansão nas IGs, confere destaque para alguns marcos importantes no setor de queijos artesanais. Entre os produtos mencionados estão o Queijo do Serro (MG), registrado em 2011, e o Queijo Canastra (MG), registrado em 2012. Além disso, em 2018, o Queijo Colonial de Colônia Witmarsum (PR) conquistou sua IG, o que destacou a importância da produção de queijos coloniais no Paraná. Em 2020, o Queijo Serrano de Campos de Cima da Serra (RS/SC) também obteve seu selo de IG, reforçando a relevância do Sul do Brasil na produção de queijos artesanais. Mais recentemente, em 2021, foi a vez do Queijo Marajó (PA) obter sua IG, seguido pelo Queijo do Cerrado Mineiro (MG) em 2023.

Figura 1. Evolução das Indicações Geográficas no Brasil (2002 – 2024).

Evolução das Indicações Geográficas no Brasil (2002 - 2024).

No contexto brasileiro, a Indicação Geográfica é categorizada em duas modalidades distintas:

Indicação de Procedência (IP): é o nome geográfico de localidade ou região que se tenha tornado conhecido como centro de extração, produção ou fabricação de determinado produto ou de prestação de determinado serviço.

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Denominação de Origem (DO): é o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu território, que designe produto ou serviço cujas qualidades ou características se devam exclusiva ou essencialmente ao meio geográfico, incluídos fatores naturais e humanos.

Indicação Geográfica dos queijos artesanais Brasileiros

A produção de queijos artesanais no Brasil é marcada por uma ampla diversidade, impulsionada pelo uso de diferentes tipos de leite, como bovino, bubalino, ovino e caprino, variando de acordo com a região. No Nordeste, a produção de queijos de leite de ovinos e caprinos é significativa, enquanto no Norte se destaca o leite de búfalas. Já nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul, o leite bovino é mais utilizado, resultando em uma rica variedade de queijos artesanais. Apesar dessa diversidade, a informalidade ainda é prevalente, o que limita a visibilidade e a comercialização desses produtos. Iniciativas como o SlowFood Brasil têm buscado mapear essa produção, identificando 48 microrregiões produtoras até 2018, embora esse número seja provavelmente subestimado.

Apesar de alguns avanços no reconhecimento das IGs para queijos artesanais em regiões do Sudeste e do Sul, a maior parte do Brasil ainda possui poucas ou nenhuma IGs para esse tipo de produto. Regiões como o Nordeste, com forte tradição no queijo coalho, e o Centro-Oeste, permanecem sem registros de IGs para queijos, destacando a disparidade na distribuição dessas certificações. Mesmo no Norte, onde o queijo do Marajó obteve sua IG em 2021, há poucas iniciativas semelhantes em andamento. Essa realidade reflete a dificuldade em adaptar a legislação às práticas tradicionais e à falta de infraestrutura sanitária adequada em muitas regiões, o que prejudica o processo de obtenção de IGs.

A Figura 2 abaixo destaca Minas Gerais como o estado com o maior número de IGs no Brasil, totalizando 20 registros, sendo também o estado com o maior número de IGs para queijos artesanais, com três certificações: Queijo do Serro, Queijo Canastra e Queijo do Cerrado. Minas Gerais, portanto, se destaca no cenário nacional de valorização de queijos artesanais, e por isso, falaremos mais sobre esse Estado adiante.

Figura 2. Distribuição das Indicações Geográficas no Brasil por Estado (2024).

Distribuição das Indicações Geográficas no Brasil por Estado (2024).

 

Indicação Geográfica dos Queijos Artesanais Mineiros: desafios e perspectivas

Minas Gerais se consagra como o maior produtor de queijo artesanal do Brasil, atingindo um patamar de 34 mil toneladas em 2023, e possui 16 regiões produtoras de queijo artesanal reconhecidas pelo Estado. Isso significa que, apesar da vasta diversidade e qualidade dos queijos mineiros, muitos desses ainda não possuem reconhecimento oficial de sua IG. Portanto, existe a carência de instrumentos jurídicos necessários para proteção da propriedade intelectual dessas regiões.

No estado de Minas Gerais, as IGs ganham impulso com a formalização de parcerias institucionais na esfera estadual, onde a  Superintendência Federal de Agricultura de Minas Gerais (SFA-MG) e a Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (SEAPA) coordenam e articulam ações que visam o desenvolvimento das IGs com o apoio de empresas públicas, como a EMATER-MG
(Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais), EPAMIG (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais), IMA (Instituto Mineiro de Agropecuária) e Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Minas Gerais (SEBRAE-MG). Essa união é essencial para identificar regiões com potencial para IGs, desenvolver pesquisas e produzir legislações específicas, valorizando a rica diversidade cultural e agroalimentar do Estado.

Importante ressaltar que Minas Gerais se posiciona na vanguarda da legislação específica dos queijos artesanais, servindo de referência para outros estados. Através da estrutura organizacional disponibilizada e do destaque obtido até agora, fica evidente que, como governo, Minas Gerais oferece um ambiente favorável para o desenvolvimento e reconhecimento das suas diversas regiões com potencial para obter a IG.

O IMA é a instituição estadual que reconhece oficialmente, através de Portarias, as regiões produtoras de queijo artesanal. Dentre as já reconhecidas, 10 produzem o tradicional Queijo Minas Artesanal (QMA): Araxá, Campo das Vertentes, Canastra, Cerrado, Diamantina, Entre Serras da Piedade ao Caraça, Serra do Salitre, Serro, Serras de Ibitipoca e Triângulo Mineiro. Além dessas, 6 são regiões que produzem Queijos Artesanais Mineiros (QAM), característicos de suas respectivas áreas: Alagoa, Mantiqueira de Minas, Serra Geral, Vale do Suaçuí e Vale do Jequitinhonha, com a adição recente (2024) da região do Vale do Mucuri.

O reconhecimento estadual das regiões produtoras de Queijo Minas Artesanal pelo IMA é fundamental para o comércio e o desenvolvimento do setor, pois fortalece a identidade dos produtos, facilita sua inserção no mercado formal e contribui significativamente para a implementação de políticas públicas voltadas às indicações geográficas, valorizando e protegendo a tradição cultural e a qualidade desses queijos.

A caracterização das regiões, a criação de legislações específicas e o reconhecimento oficial pelo Estado são etapas fundamentais para fomentar a obtenção da IG. Entretanto, o número reduzido de IGs em Minas Gerais, mesmo em um contexto teoricamente favorável, é atribuído, entre outros fatores, à falta de conhecimento dos produtores sobre o potencial da propriedade intelectual, à baixa valorização do selo como um indicador de qualidade e à insuficiente ação contra fraudes e falsificações, que são práticas comuns no mercado de queijos artesanais.

Ainda no contexto de análise do baixo número de IGs no Brasil e no estado de Minas Gerais, observa-se que as três IGs de queijos artesanais mineiros são provenientes de três das quatro primeiras regiões reconhecidas pelo estado, conforme as portarias do IMA. Esse fato indica que o processo de obtenção de IG envolve desafios significativos, que exigem organização e maturidade por parte dos produtores, além de um tempo considerável para sua consolidação. Vale ressaltar que, entre as regiões pioneiras, apenas a região de Araxá, reconhecida desde 2003, ainda não obteve o selo distintivo, diferentemente de suas regiões vizinhas, Canastra e Cerrado.

No cenário das Indicações Geográficas no Brasil, nota-se uma disparidade na distribuição entre produtos classificados como IP e DO. Dentre as 119 IGs registradas, 91 pertencem à categoria de IP, enquanto apenas 28 são classificadas como DO. Essa disparidade também se observa em Minas Gerais, onde existem 20 IGs registradas, das quais 14 são IP e 6 são DO, como fica evidenciado na Figura 3 abaixo:

Figura 3. Distribuição das Idicações Geográficas no Estado de Minas Gerais (2024).

Figura 3. Distribuição das Idicações Geográficas no Estado de Minas Gerais (2024)

A Figura 3 evidencia uma discrepância significativa na atribuição de Indicações Geográficas (IGs) em Minas Gerais, particularmente no caso dos queijos artesanais, que possuem três IGs, todas na categoria de Indicação de Procedência (IP), mas nenhuma como Denominação de Origem (DO). Isso é relevante, considerando que Minas Gerais é amplamente reconhecido por sua tradição na produção de queijos. A DO reconhece não apenas a procedência geográfica, mas também fatores como terroir e métodos tradicionais, conferindo maior prestígio e proteção ao produto. Essa diferença se torna ainda mais destacada ao observar que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) já reconheceu o Queijo Minas Artesanal (QMA) como Patrimônio Imaterial do Brasil, e o processo de reconhecimento pela UNESCO como Patrimônio Imaterial da Humanidade está em andamento.

Conclusão

Fica evidente que apesar do avanço no número total de IGs, o setor de queijos artesanais não acompanhou essa evolução de maneira proporcional, o que revela um potencial ainda inexplorado para o reconhecimento de outros queijos artesanais tradicionais em diferentes regiões do país.

Particularmente em Minas Gerais, para expandir o uso das IGs é necessário intensificar os investimentos em pesquisa e capacitação dos produtores, assim como fomentar políticas de conscientização da ferramenta para os consumidores, a fim de aumentar a compreensão sobre os benefícios das IGs. Além disso, é fundamental fortalecer as entidades coletivas (Associações) que gerenciam as IGs, assegurando que elas desempenhem um papel ativo na promoção e no cumprimento dos critérios de qualidade. Esse fortalecimento, aliado à conscientização sobre a relevância das IGs, permitirá que mais regiões sejam incentivadas a aderir a esse sistema, protegendo suas tradições e promovendo o desenvolvimento econômico e social local de forma sustentável.

 

 

Referências

ARAÚJO, J. P. A. et al. Uma análise histórico-crítica sobre o desenvolvimento das normas brasileiras relacionadas a queijos artesanais. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, v. 72, n. 5, p. 1845–1860, 9 set. 2020.

BRASIL. Guia das indicações geográficas - conceitos. Brasília, DF: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, 2019. Disponível em: https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/sustentabilidade/indicacao-geografica/arquivos-publicacoes-ig/guia-das-igs-conceitos/view. o em: 14 ago. 2024.

EMBRAPA. Anuário leite - 2023. Impressão: Gráfica Elyon. [S.l.]: [s.n.], 2023. Edição Digital disponível em: https://www.embrapa.br/gado-de-leite.

GONÇALVES, L. A. da S.; ALMEIDA, B. de A.; BASTOS, E. M. S. Panorama das indicações geográficas no Brasil. Revista de Desenvolvimento Econômico - RDE, v. 3, n. 41, p. 130–144, 2018.

IMA - Instituto Mineiro de Agropecuária. Portarias do Instituto Mineiro de Agropecuária. Disponível em: https://www.ima.mg.gov.br/institucional/portarias. o em: 14 ago. 2024.

SEBRAE. (n.d.). DataSebrae: Indicações Geográficas Brasileiras. Disponível em: https://datasebrae.com.br/indicacoesgeograficas/. o em: 16 de agosto de 2024.

WILKINSON, J.; CERDAN, C.; DORIGON, C. Geographical Indications and “Origin” Products in Brazil – The Interplay of Institutions and Networks. World Development, v. 98, p. 82–92, 2017.

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José Antônio de Queiroz Lafetá Junior

José Antônio de Queiroz Lafetá Junior

Professor/pesquisador do Instituto de Laticínios Cândido Tostes - EPAMIG-MG.

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Wilson de A. O. Junior

Wilson de A. O. Junior

Mestre em Engenharia Agrícola. Professor/Pesquisador do Instituto de Laticínios Cândido Tostes - EPAMIG-MG).

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Kely de Paula Correa

Kely de Paula Correa

Professora/pesquisadora do Instituto de Laticínios Cândido Tostes - EPAMIG-MG.

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Ana Flavia Coelho Pacheco

Ana Flavia Coelho Pacheco

Professora/pesquisadora do Instituto de Laticínios Cândido Tostes - EPAMIG-MG) e Membra do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos - LIPA/DTA/UFV.

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Junio Cesar J. de Paula

Junio Cesar J. de Paula

Professor e Pesquisador da Epamig Instituto de Laticínios Cândido Tostes

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Paulo Henrique Costa Paiva

Paulo Henrique Costa Paiva

Professor Dr. e Pesquisador do Instituto de Laticínios Cândido Tostes/EPAMIG.

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As Indicações Geográficas (IG) desempenham um papel central na valorização de produtos com características intrinsecamente ligadas à sua origem. Confira!

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As Indicações Geográficas (IG) desempenham um papel central na valorização de produtos com características intrinsecamente ligadas à sua origem, destacando-se os seus atributos de identidade e qualidade, além da tradição, ou seja, o “saber fazer histórico”. No Brasil, as IGs são regulamentadas pela Lei da Propriedade Industrial nº 9.279/1996 e gerenciadas pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Elas são particularmente importantes para produtos agroalimentares, como queijos e vinhos, cujo terroir – as condições ambientais de uma região – influencia diretamente suas propriedades.

O papel do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) é crucial nesse cenário, atuando na normatização e promoção das IGs em parceria com entidades como o SEBRAE. Essas cooperações estratégicas visam identificar novas regiões com potencial para IGs, além de oferecer e técnico e legislativo, fomentando a preservação da rica diversidade agroalimentar e cultural brasileira.

Embora o Brasil possua um imenso potencial para o reconhecimento de suas IGs, ainda há um longo caminho a ser percorrido para que uma maior diversidade de produtos com aptidão para essa categorização seja efetivamente reconhecida. Existem setores específicos, como o de queijos artesanais, que possuem apenas 6 IGs registradas pelo INPI (sendo 3 delas no Estado de Minas Gerais) e demonstram claramente a necessidade de um reconhecimento mais robusto quanto às suas tradições e peculiaridades regionais.

Os Queijos Artesanais, por sua natureza regional e produção em pequena escala, são particularmente propensos a refletir a identidade geográfica de sua origem. Cada região possui um microclima, solo, flora e fauna específicos que influenciam diretamente na qualidade do leite, escolha dos ingredientes e técnicas de produção, resultando em queijos com sabores, texturas e aromas únicos. As características intrínsecas dos queijos artesanais, associadas ao baixo número de IGs registradas, suscitam importantes questionamentos sobre a realidade e a maturidade do cenário nacional de produção desse tipo de queijo para o desenvolvimento e a manutenção de IGs.

Diante deste cenário, o artigo tem o objetivo de examinar os desafios e as oportunidades para o fortalecimento das IG dos queijos artesanais mineiros. O foco é destacar o grande potencial ainda não explorado para expandir essas certificações, especialmente em regiões que carecem de reconhecimento formal. Além disso, o artigo aborda a necessidade de investimentos mais robustos em infraestrutura técnica e jurídica, bem como a conscientização dos produtores e consumidores sobre o valor das IGs. A preservação das tradições regionais e a proteção contra fraudes são apontadas como pilares fundamentais para assegurar a sustentabilidade e o desenvolvimento econômico local. Em última instância, a valorização das IGs não apenas preserva o patrimônio cultural, mas também amplia a competitividade dos produtos no mercado global.

Indicação Geográfica no Brasil

O desenvolvimento das IGs no Brasil tem mostrado um crescimento expressivo desde sua introdução formal na década de 1990, embora o primeiro registro oficial tenha ocorrido apenas em 2002, com o Vale dos Vinhedos (vinho). Ao longo dos anos, políticas estaduais e federais, combinadas com esforços de organizações de pesquisa, movimentos sociais e a integração de produtores locais, têm fortalecido esse sistema. A adoção e expansão das IGs no Brasil tem manifestado um crescimento substancial, especialmente a partir de 2011, como é possível observar na Figura 1. Esse aumento pode ser atribuído à promoção de políticas públicas nacionais e ao apoio de órgãos como MAPA e SEBRAE.

Dados do INPI de julho de 2024 revelam que o país possui atualmente 119 IGs registradas. Em comparação, esse número era de 75 em 2021 e de 41 em 2015, evidenciando um crescimento acelerado nos últimos anos. Além das políticas públicas, tal incremento está associado a um movimento global de valorização de produtos com identidade regional e autenticidade.

Dentre essas 119 IGs, 43 se concentram no Sudeste, consolidando-a como região com maior número de produtos com procedência reconhecida. O setor agroalimentar se destaca como o principal beneficiário dessa chancela, com 95 produtos detentores de IG, sendo que desses apenas 6 são de queijos.

A Figura 1, além de evidenciar uma forte expansão nas IGs, confere destaque para alguns marcos importantes no setor de queijos artesanais. Entre os produtos mencionados estão o Queijo do Serro (MG), registrado em 2011, e o Queijo Canastra (MG), registrado em 2012. Além disso, em 2018, o Queijo Colonial de Colônia Witmarsum (PR) conquistou sua IG, o que destacou a importância da produção de queijos coloniais no Paraná. Em 2020, o Queijo Serrano de Campos de Cima da Serra (RS/SC) também obteve seu selo de IG, reforçando a relevância do Sul do Brasil na produção de queijos artesanais. Mais recentemente, em 2021, foi a vez do Queijo Marajó (PA) obter sua IG, seguido pelo Queijo do Cerrado Mineiro (MG) em 2023.

Figura 1. Evolução das Indicações Geográficas no Brasil (2002 – 2024).

Evolução das Indicações Geográficas no Brasil (2002 - 2024).

No contexto brasileiro, a Indicação Geográfica é categorizada em duas modalidades distintas:

Indicação de Procedência (IP): é o nome geográfico de localidade ou região que se tenha tornado conhecido como centro de extração, produção ou fabricação de determinado produto ou de prestação de determinado serviço.

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Denominação de Origem (DO): é o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu território, que designe produto ou serviço cujas qualidades ou características se devam exclusiva ou essencialmente ao meio geográfico, incluídos fatores naturais e humanos.

Indicação Geográfica dos queijos artesanais Brasileiros

A produção de queijos artesanais no Brasil é marcada por uma ampla diversidade, impulsionada pelo uso de diferentes tipos de leite, como bovino, bubalino, ovino e caprino, variando de acordo com a região. No Nordeste, a produção de queijos de leite de ovinos e caprinos é significativa, enquanto no Norte se destaca o leite de búfalas. Já nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul, o leite bovino é mais utilizado, resultando em uma rica variedade de queijos artesanais. Apesar dessa diversidade, a informalidade ainda é prevalente, o que limita a visibilidade e a comercialização desses produtos. Iniciativas como o SlowFood Brasil têm buscado mapear essa produção, identificando 48 microrregiões produtoras até 2018, embora esse número seja provavelmente subestimado.

Apesar de alguns avanços no reconhecimento das IGs para queijos artesanais em regiões do Sudeste e do Sul, a maior parte do Brasil ainda possui poucas ou nenhuma IGs para esse tipo de produto. Regiões como o Nordeste, com forte tradição no queijo coalho, e o Centro-Oeste, permanecem sem registros de IGs para queijos, destacando a disparidade na distribuição dessas certificações. Mesmo no Norte, onde o queijo do Marajó obteve sua IG em 2021, há poucas iniciativas semelhantes em andamento. Essa realidade reflete a dificuldade em adaptar a legislação às práticas tradicionais e à falta de infraestrutura sanitária adequada em muitas regiões, o que prejudica o processo de obtenção de IGs.

A Figura 2 abaixo destaca Minas Gerais como o estado com o maior número de IGs no Brasil, totalizando 20 registros, sendo também o estado com o maior número de IGs para queijos artesanais, com três certificações: Queijo do Serro, Queijo Canastra e Queijo do Cerrado. Minas Gerais, portanto, se destaca no cenário nacional de valorização de queijos artesanais, e por isso, falaremos mais sobre esse Estado adiante.

Figura 2. Distribuição das Indicações Geográficas no Brasil por Estado (2024).

Distribuição das Indicações Geográficas no Brasil por Estado (2024).

 

Indicação Geográfica dos Queijos Artesanais Mineiros: desafios e perspectivas

Minas Gerais se consagra como o maior produtor de queijo artesanal do Brasil, atingindo um patamar de 34 mil toneladas em 2023, e possui 16 regiões produtoras de queijo artesanal reconhecidas pelo Estado. Isso significa que, apesar da vasta diversidade e qualidade dos queijos mineiros, muitos desses ainda não possuem reconhecimento oficial de sua IG. Portanto, existe a carência de instrumentos jurídicos necessários para proteção da propriedade intelectual dessas regiões.

No estado de Minas Gerais, as IGs ganham impulso com a formalização de parcerias institucionais na esfera estadual, onde a  Superintendência Federal de Agricultura de Minas Gerais (SFA-MG) e a Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (SEAPA) coordenam e articulam ações que visam o desenvolvimento das IGs com o apoio de empresas públicas, como a EMATER-MG
(Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais), EPAMIG (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais), IMA (Instituto Mineiro de Agropecuária) e Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Minas Gerais (SEBRAE-MG). Essa união é essencial para identificar regiões com potencial para IGs, desenvolver pesquisas e produzir legislações específicas, valorizando a rica diversidade cultural e agroalimentar do Estado.

Importante ressaltar que Minas Gerais se posiciona na vanguarda da legislação específica dos queijos artesanais, servindo de referência para outros estados. Através da estrutura organizacional disponibilizada e do destaque obtido até agora, fica evidente que, como governo, Minas Gerais oferece um ambiente favorável para o desenvolvimento e reconhecimento das suas diversas regiões com potencial para obter a IG.

O IMA é a instituição estadual que reconhece oficialmente, através de Portarias, as regiões produtoras de queijo artesanal. Dentre as já reconhecidas, 10 produzem o tradicional Queijo Minas Artesanal (QMA): Araxá, Campo das Vertentes, Canastra, Cerrado, Diamantina, Entre Serras da Piedade ao Caraça, Serra do Salitre, Serro, Serras de Ibitipoca e Triângulo Mineiro. Além dessas, 6 são regiões que produzem Queijos Artesanais Mineiros (QAM), característicos de suas respectivas áreas: Alagoa, Mantiqueira de Minas, Serra Geral, Vale do Suaçuí e Vale do Jequitinhonha, com a adição recente (2024) da região do Vale do Mucuri.

O reconhecimento estadual das regiões produtoras de Queijo Minas Artesanal pelo IMA é fundamental para o comércio e o desenvolvimento do setor, pois fortalece a identidade dos produtos, facilita sua inserção no mercado formal e contribui significativamente para a implementação de políticas públicas voltadas às indicações geográficas, valorizando e protegendo a tradição cultural e a qualidade desses queijos.

A caracterização das regiões, a criação de legislações específicas e o reconhecimento oficial pelo Estado são etapas fundamentais para fomentar a obtenção da IG. Entretanto, o número reduzido de IGs em Minas Gerais, mesmo em um contexto teoricamente favorável, é atribuído, entre outros fatores, à falta de conhecimento dos produtores sobre o potencial da propriedade intelectual, à baixa valorização do selo como um indicador de qualidade e à insuficiente ação contra fraudes e falsificações, que são práticas comuns no mercado de queijos artesanais.

Ainda no contexto de análise do baixo número de IGs no Brasil e no estado de Minas Gerais, observa-se que as três IGs de queijos artesanais mineiros são provenientes de três das quatro primeiras regiões reconhecidas pelo estado, conforme as portarias do IMA. Esse fato indica que o processo de obtenção de IG envolve desafios significativos, que exigem organização e maturidade por parte dos produtores, além de um tempo considerável para sua consolidação. Vale ressaltar que, entre as regiões pioneiras, apenas a região de Araxá, reconhecida desde 2003, ainda não obteve o selo distintivo, diferentemente de suas regiões vizinhas, Canastra e Cerrado.

No cenário das Indicações Geográficas no Brasil, nota-se uma disparidade na distribuição entre produtos classificados como IP e DO. Dentre as 119 IGs registradas, 91 pertencem à categoria de IP, enquanto apenas 28 são classificadas como DO. Essa disparidade também se observa em Minas Gerais, onde existem 20 IGs registradas, das quais 14 são IP e 6 são DO, como fica evidenciado na Figura 3 abaixo:

Figura 3. Distribuição das Idicações Geográficas no Estado de Minas Gerais (2024).

Figura 3. Distribuição das Idicações Geográficas no Estado de Minas Gerais (2024)

A Figura 3 evidencia uma discrepância significativa na atribuição de Indicações Geográficas (IGs) em Minas Gerais, particularmente no caso dos queijos artesanais, que possuem três IGs, todas na categoria de Indicação de Procedência (IP), mas nenhuma como Denominação de Origem (DO). Isso é relevante, considerando que Minas Gerais é amplamente reconhecido por sua tradição na produção de queijos. A DO reconhece não apenas a procedência geográfica, mas também fatores como terroir e métodos tradicionais, conferindo maior prestígio e proteção ao produto. Essa diferença se torna ainda mais destacada ao observar que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) já reconheceu o Queijo Minas Artesanal (QMA) como Patrimônio Imaterial do Brasil, e o processo de reconhecimento pela UNESCO como Patrimônio Imaterial da Humanidade está em andamento.

Conclusão

Fica evidente que apesar do avanço no número total de IGs, o setor de queijos artesanais não acompanhou essa evolução de maneira proporcional, o que revela um potencial ainda inexplorado para o reconhecimento de outros queijos artesanais tradicionais em diferentes regiões do país.

Particularmente em Minas Gerais, para expandir o uso das IGs é necessário intensificar os investimentos em pesquisa e capacitação dos produtores, assim como fomentar políticas de conscientização da ferramenta para os consumidores, a fim de aumentar a compreensão sobre os benefícios das IGs. Além disso, é fundamental fortalecer as entidades coletivas (Associações) que gerenciam as IGs, assegurando que elas desempenhem um papel ativo na promoção e no cumprimento dos critérios de qualidade. Esse fortalecimento, aliado à conscientização sobre a relevância das IGs, permitirá que mais regiões sejam incentivadas a aderir a esse sistema, protegendo suas tradições e promovendo o desenvolvimento econômico e social local de forma sustentável.

 

 

Referências

ARAÚJO, J. P. A. et al. Uma análise histórico-crítica sobre o desenvolvimento das normas brasileiras relacionadas a queijos artesanais. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, v. 72, n. 5, p. 1845–1860, 9 set. 2020.

BRASIL. Guia das indicações geográficas - conceitos. Brasília, DF: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, 2019. Disponível em: https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/sustentabilidade/indicacao-geografica/arquivos-publicacoes-ig/guia-das-igs-conceitos/view. o em: 14 ago. 2024.

EMBRAPA. Anuário leite - 2023. Impressão: Gráfica Elyon. [S.l.]: [s.n.], 2023. Edição Digital disponível em: https://www.embrapa.br/gado-de-leite.

GONÇALVES, L. A. da S.; ALMEIDA, B. de A.; BASTOS, E. M. S. Panorama das indicações geográficas no Brasil. Revista de Desenvolvimento Econômico - RDE, v. 3, n. 41, p. 130–144, 2018.

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Material escrito por:

José Antônio de Queiroz Lafetá Junior

José Antônio de Queiroz Lafetá Junior

Professor/pesquisador do Instituto de Laticínios Cândido Tostes - EPAMIG-MG.

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Wilson de A. O. Junior

Wilson de A. O. Junior

Mestre em Engenharia Agrícola. Professor/Pesquisador do Instituto de Laticínios Cândido Tostes - EPAMIG-MG).

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Kely de Paula Correa

Kely de Paula Correa

Professora/pesquisadora do Instituto de Laticínios Cândido Tostes - EPAMIG-MG.

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Ana Flavia Coelho Pacheco

Ana Flavia Coelho Pacheco

Professora/pesquisadora do Instituto de Laticínios Cândido Tostes - EPAMIG-MG) e Membra do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos - LIPA/DTA/UFV.

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Junio Cesar J. de Paula

Junio Cesar J. de Paula

Professor e Pesquisador da Epamig Instituto de Laticínios Cândido Tostes

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Paulo Henrique Costa Paiva

Paulo Henrique Costa Paiva

Professor Dr. e Pesquisador do Instituto de Laticínios Cândido Tostes/EPAMIG.

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