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Influência da estação de nascimento de bezerras girolando no desenvolvimento na fase de cria e desempenho reprodutivo e produtivo

A estação de nascimento de bezerras girolando pode afetar o desenvolvimento na fase de cria e desempenho reprodutivo e produtivo? Entenda!

Publicado por: vários autores

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Para o sucesso da criação de bezerras leiteiras os cuidados devem iniciar desde o pré-parto das vacas, com correto manejo de controle sanitário, alimentação, boas instalações e bem-estar. A alimentação da vaca prenhe é de extrema importância para o desenvolvimento do bezerro no terço final de gestação (¹). A nutrição e o metabolismo das vacas em pré-parto afetam não somente a sua saúde como a do feto (²), e podem ocorrer devido as alterações fisiológicas uterinas e nas propriedades do colostro (²).

O final da gestação é o momento no qual o colostro será produzido, e este é o principal componente determinante no desempenho da bezerra e na formação do sistema imune (³). A nutrição da vaca gestante é o principal ponto a ser considerado no período seco, pois determinará como a vaca saudável irá produzir colostro de boa qualidade e diminuirá as chances de ocorrer problemas no momento do parto e após o parto (4). Silva (5) afirma que uma das principais causas de bezerros fracos e pequenos é a subnutrição de vaca gestante. 

A placenta dos bovinos é sindesmocorial, e confere proteção ao feto contra agentes infecciosos (bactérias, vírus), entretanto, ela impede a agem de imunoglobulinas da mãe para o feto durante a gestação (6). Além disso, os neonatos nascem com o sistema imune imaturo, e dessa forma esses animais nascem susceptíveis a infecções e, o que torna necessário a ingestão de colostro nas primeiras horas de vida, para adquirir anticorpos e proteção contra microrganismos patogênicos (7), além da ativação do seu sistema imunológico (8).

O colostro é a primeira secreção láctea após o parto, sua produção se inicia com a transferência das imunoglobulinas maternas para a glândula mamária no final da gestação e encerra com a ação da prolactina após o parto (9). É composto por imunoglobulinas (especialmente IgG), nutrientes, hormônios e fatores de crescimento (10). Portanto, além de garantir nutrição inicial adequada do bezerro, o colostro auxilia na manutenção da temperatura corporal logo após o nascimento, garante fatores de crescimento e imunidade celular e a secreção de hormônios importantes no desenvolvimento do intestino e de suas vilosidades (8,9).

Para uma adequada colostragem, é necessário levar em consideração a quantidade ofertada, o tempo de ingestão após o nascimento e a qualidade do colostro, esses são pontos essenciais para determinar a transferência de imunidade iva (11).

A transferência de imunidade iva (TIP) pode ser avaliada através da coleta de sangue do bezerro até 7 dias após a ingestão do colostro, com a dosagem de proteínas totais do soro do animal utilizando refratômetro de proteínas. Os animais que apresentarem proteínas totais acima de 5,5 d/dL receberam adequada TIP (12). A falha na transferência de imunidade iva (FTIP) é definida quando os animais avaliados 24 a 48 horas após o nascimento apresentam concentrações de IgG sanguíneas menores que 10 mg/ml (8). Para reduzir a FPIT é importante possuir um banco de colostro na propriedade, para suprir a falta de colostro quando uma vaca recém parida não alcançar boa produção ou produção com baixa qualidade de colostro.

As doenças que mais acometem as bezerras durante a fase de aleitamento são a diarreia, tristeza parasitária bovina (TPB), pneumonia e problemas umbilicais (13). Durante o aleitamento podem ser observados taxa média de 10,8% de mortalidade, sendo 60,5% causadas por diarreia ou por outros problemas digestivos, 24,5% por problemas respiratórios e 15% por outros motivos (14). As doenças que acometem os bezerros na fase de pré-desmame, além de afetar economicamente pela perda de bezerros e custo com medicamentos, aumentam os efeitos negativos a longo prazo no desempenho produtivo e reprodutivo (13).

A produção e sobrevivência de um animal depende da capacidade em manter sua temperatura corporal dentro dos limites estreitos (homeotermia), ou seja, é a capacidade de manter a temperatura corporal em níveis constantes, independente das alterações da temperatura ambiente (15). Em casos de extremo frio ou extremo calor, o animal mobiliza sua energia para manter a temperatura do corpo em níveis normais (16). 

O estresse térmico por calor e a hipotermia influenciam as respostas fisiológicas dos animais, tais como: consumo de água, comida, desempenho produtivo e reprodutivo (17). Portanto, entender a interação do animal com o ambiente e sua capacidade de adaptação é importante na adoção do manejo de criação de bovinos leiteiros visando minimizar os problemas e intensificar o desempenho dos animais. 

Os bezerros são influenciados pelas condições ambientais desde o útero de suas mães, visto que vacas que am por estresse térmico durante a gestação, principalmente nos últimos 45 dias de gestação, tendem a parir bezerros mais leves devido o encurtamento da gestação (18). Logo após o nascimento, os bezerros não possuem capacidade de regular sua própria temperatura, dessa forma, efeitos bruscos de temperatura podem aumentar a mortalidade desses animais (19).

Dessa forma, vários pontos devem ser observados para se obter sucesso na criação de bezerros. Baseado nesses fatos, a hipótese é que bezerras nascidas em períodos de primavera/verão, com alta temperatura e umidade média, em que há maior estresse para as vacas gestantes, apresentem maior susceptibilidade ao desenvolvimento de doenças, menor peso ao desmame e consequentemente, menor eficiência reprodutiva e produção de leite na primeira lactação. O objetivo com este estudo foi avaliar a influência da estação de nascimento de bezerras leiteiras mestiças no desenvolvimento e ocorrência de doenças na fase de cria, e no desempenho reprodutivo e produtivo.

Local e animais 

Todos os procedimentos com os animais neste estudo foram conduzidos de acordo com os princípios éticos de experimentação animal do Comitê de Ética em Utilização de Animais (CEUA) da Universidade Federal de Uberlândia UFU).

Os dados foram coletados na Fazenda Experimenta do Gloria, da Universidade Federal de Uberlândia, localizada no município de Uberlândia (latitude – 18.940955 / longitude -48.214724). O rebanho leiteiro era composto por 243 animais, entre vacas em lactação, vacas secas, animais em recria e bezerros em aleitamento. Os animais eram mestiços Girolando, com composição racial variando de 1/2, 3/4 a 7/8 das raças Holandesa e Gir.

Foram avaliadas 74 fêmeas que nasceram entre janeiro de 2018 e março de 2020. A estação de nascimento foi categorizada em primavera/verão (P/V) (outubro a março) e outono/inverno (O/I) (abril a setembro). Do total de 74 bezerras, 37 nasceram nas estações P/V e 37 nasceram nas estações O/I. Todas estas fêmeas foram acompanhadas do nascimento até o final da primeira lactação. 

Manejo, dieta, instalações dos bezerros

Após o nascimento as bezerras eram separadas da mãe, em seguida era realizada a cura do umbigo com iodo a 10%. A mãe era ordenhada manualmente para obtenção do colostro, e este era avaliado com o refratômetro de Brix (modelo IPB 32KT – SPLABOR®, Presidente Prudente, São Paulo, Brasil) antes do fornecimento à bezerra. Colostro de boa qualidade (valor da análise do refratômetro > 21° de Brix) era fornecido para a bezerra com mamadeira ou sonda esofágica quando necessário e após os cuidados iniciais as bezerras eram levadas para o bezerreiro. O manejo realizado após o nascimento até o período da desmama foi realizado por funcionários capacitados, com auxílio e acompanhamento da discente de mestrado responsável pela coleta de dados do estudo.

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O bezerreiro, era do tipo argentino com arame no chão e as bezerras presas por cordas, onde permaneciam por 72 dias até o desmame. O fornecimento de água e alimento eram ad libitum e a composição da ração era de concentrado comercial (milho moído, farelo de soja, farelo de trigo, farelo gérmen de milho, farelo de milho, calcário calcítico, cloreto de sódio, premix vitamínico e mineral, com níveis de garantia de: 14,0 g de proteína bruta; 2,0 g de extrato etéreo; 12,0 g de matéria mineral; 1,5 g de cálcio; 0,5 g de fósforo e 12,0 g de fibra bruta).

O aleitamento era realizado duas vezes ao dia (as 7:00h e as 16:00h), e consistia no fornecimento de leite em pó (Nattimilk; Auster Nutrição Animal, São Paulo, Brasil), na diluição de 8 litros de água para cada 1 kg sucedâneo. 

As bezerras recém-nascidas recebiam o leite de transição, depois o aleitamento era realizado da seguinte forma: 0 a 40 dias - 6 litros de leite por dia; de 41 a 65 dias – 4 litros/dia e dos 66 aos 72 dias era realizado o desmane gradualmente (nos primeiros 5 dias era fornecido 2 litros de leite pela manhã e nos últimos 2 dias 1 litro de leite pela manhã).

Manejo, dieta e instalações das novilhas e vacas em lactação

A fazenda possuía 3 módulos de piquetes para pastagem, sendo 2 módulos de capim Mombaça e 1 módulo de capim Braquiarão, todos divididos em 24 piquetes. Na época da seca as novilhas recebiam silagem e ração no cocho e na época das águas elas eram mantidas a pasto e recebiam ração no cocho.

A ração, produzida na própria fábrica da fazenda, era composta por polpa cítrica (75,20%), milho (20%) e sal mineral (4,8%). As novilhas ao atingirem o peso de 300 kg eram transferidas para o lote de novilhas de inseminação, onde a observação de cio era realizada diariamente e as novilhas detectadas em estro eram inseminadas artificialmente. O diagnóstico de gestação era realizado 32 ± 4 dias após a inseminação por exame de ultrassonografia transretal, e a confirmação da gestação ocorria 45 ± 4 dias após a inseminação por palpação retal. 

O sistema de produção de leite da propriedade era semiconfinamento, onde no período das chuvas (P/V) as vacas em lactação recebiam concentrado no cocho antes das ordenhas, e após a ordenha elas permaneciam no pasto até a ordenha seguinte. E no período da seca (outono/inverno) as vacas recebiam a mistura de silagem (produzido na propriedade) e concentrado no cocho durante o dia todo. 

A ordenha da fazenda era do tipo espinha de peixe, comportando 8 vacas de cada lado e 8 teteiras, sendo 2 destas com extração mecânica. As vacas eram ordenhadas duas vezes ao dia, sendo feito o teste da caneca, pré-dipping e pós-dipping a cada ordenha. A pesagem de leite era realizada a cada 15 dias. As vacas eram tratadas com somatotropina recombinante bovina (BST) a cada 15 dias a partir dos 60 dias após o parto e o tratamento era suspenso quando a vaca produzia menos de 15 litros/dia ou 30 dias antes da secagem.

Variáveis avaliadas das bezerras, novilhas e vacas de primíparas

Durante o período de aleitamento foram coletados os dados de peso ao nascimento, aos 30 dias, 60 dias e no desaleitamento, com fita de pesagem (Bovitec; São Paulo, Brasil). A fita foi posicionada firmemente atrás das escápulas para mensurar perímetro torácico. 

Foi avaliado a incidência das doenças como: tristeza parasitária bovina (TPB), pneumonia e diarreia. Os parâmetros usados eram aferição de temperatura todos os dias antes do fornecimento do leite da manhã, avaliação das mucosas e escore de fezes (20). O monitoramento diário do estado dos animais (alerta, apático) e do consumo de leite, ração e água também foram monitorados diariamente. Quando alguma dessas características se apresentaram alteradas as fêmeas eram consideradas doentes, e o tratamento indicado era realizado.

Foram coletados os seguintes dados das novilhas em fase reprodutiva: data da inseminação fértil e a data do primeiro parto, e a produção de leite foi registrada durante toda a primeira lactação, para as análises foi considerada a aferição da produção de leite mais próxima aos 60 dias, 100 dias, 150 dias, 200 dias e 250 dias em lactação. 

Análises estatísticas

Os dados coletados durante o estudo foram digitados em planilhas do programa Excel (2016). Para as análises estatísticas, os dados da estação do ano do nascimento das bezerras foram agrupados em P/V e O/I. Os dados foram testados para normalidade. As variáveis contínuas: peso (nascimento, 30, 60 dias, desmame), idade na primeira inseminação fértil, produção de leite (60, 100, 150, 200, 250 dias de lactação) foram analisadas por análise de variância, e a variável binomial porcentagem de novilhas leiteiras que pariram durante o período estudado foi analisada por regressão logística, ambas analisadas no software Minitab LLC, LLC, State College, PA, USA), sendo incluído no modelo apenas o efeito de estação do ano. As diferenças estatísticas foram caracterizadas por P ≤ 0,05 e tendência como 0,05 < P < 0,10.

Quais foram os resultados? 

Foram avaliadas 37 bezerras nascidas em cada categoria de estação de nascimento (P/V vs. O/I). Apesar das bezerras nascidas no O/I apresentarem média de peso numericamente maior durante todo o aleitamento (Tabela 1), apenas aos 30 dias foi observada diferença estatística, bezerras nascidas no O/I apresentaram média de peso maior (P = 0,01) aos 30 dias em relação as nascidas na P/V. Porém ao longo do período de aleitamento as bezerras apresentaram desempenho semelhante.

Tabela 1. Peso ao nascimento, 30, 60 dias e ao desmame de bezerras leiteiras de acordo com a estação de nascimento. 

Estação de Nascimento

Peso, kg

Nascimento

30 dias

60 dias

Desmame

Primavera/Verão

42,76 ± 5,59

60,58 ± 2,21a

81,68 ± 2,20

95,73 ± 2,25

Outono/Inverno

42,84 ± 5,68

68,49 ± 2,00b

85,00 ± 2,25

97,04 ± 2,71

Valor de P

0,951

0,010

0,295

0,711

Dados apresentados como média ± erro padrão.

a,b Médias seguidas por letras diferentes na mesma coluna diferem entre si (P<0,05).

Durante todo o período de aleitamento as bezerras foram monitoradas e foi registrado em planilha a frequência de enfermidades de cada bezerra. Não foi detectado efeito (P = 0,886) da estação de nascimento na ocorrência de doenças na fase de cria (Figura 1). As bezerras nascidas na estação O/I apresentaram média de 1,946 eventos de problemas de saúde, enquanto as bezerras nascidas na P/V apresentaram média de 1,919 eventos. Vale ressaltar que a ocorrência de diarreia foi a mais prevalente, seguida de tristeza parasitária.

Figura 1. Média de incidência de doenças em bezerras leiteiras durante a fase de aleitamento de acordo com a estação de nascimento [P/V (primavera/verão), O/I (outono/inverno)]. 

Média de incidência de doenças em bezerras leiteiras durante a fase de aleitamento de acordo com a estação de nascimento [P/V (primavera/verão), O/I (outono/inverno)].

Das bezerras que nasceram no O/I 94,59% pariram e das nascidas na P/V 83,78% pariram, não sendo possível detectar efeito (P = 0,153) da estação de nascimento sobre esse parâmetro (Figura 2). Uma bezerra nascida na estação O/I e seis bezerras nascidas na estação P/V não pariram no período do experimento. As novilhas que não pariram durante este estudo foram devido à morte após o desmame ou descarte.

Figura 2. Porcentagem de novilhas leiteiras que pariram durante o período estudado de acordo com a estação de nascimento [O/I (outono/inverno), P/V (primavera/verão)].

Porcentagem de novilhas leiteiras que pariram durante o período estudado de acordo com a estação de nascimento [O/I (outono/inverno), P/V (primavera/verão)]

A média de idade ao primeiro parto das 31 novilhas que nasceram na P/V foi de 32,71 ± 1,09 meses, enquanto das 35 nascidas no O/I foi de 32,34 ± 0,94 meses, portanto, não foi detectado efeito (P = 0,798) da estação de nascimento sobre a idade ao primeiro parto (Figura 3).

Figura 3. Média de idade ao primeiro parto de novilhas leiteiras de acordo com a estação de nascimento [O/I (outono/inverno), P/V (primavera/verão)].

Figura 3 Média de idade ao primeiro parto de novilhas leiteiras de acordo com a estação de nascimento [O/I (outono/inverno), P/V (primavera/verão)].

Na Figura 4 observa-se a média de produção de leite durante a primeira lactação das vacas avaliadas. Apesar das fêmeas nascidas no O/I apresentarem média numérica maior de produção de leite durante toda a lactação, não foi detectado efeito significativo da estação de nascimento sobre a produção (P > 0,10).

Figura 4. Média da produção de leite na primeira lactação de fêmeas leiteiras de acordo com a estação de nascimento [O/I (outono/inverno), P/V (primavera/verão)].

Figura 4 Média da produção de leite na primeira lactação de fêmeas leiteiras de acordo com a estação de nascimento [O/I (outono/inverno), P/V (primavera/verão)].

Conclusão

Nas condições do presente estudo, as bezerras nascidas na estação outono/inverno apresentam maior peso aos 30 dias de idade, porém esta diferença é compensada durante o aleitamento, não interferindo no desempenho reprodutivo e produtivo.

 

 

Este texto é parte do artigo publicado na Revista Ciência Animal Brasileira | Brazilian Animal Science, v.25, 78655P, 2024.

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Material escrito por:

Fabiana Silva Oliveira

Fabiana Silva Oliveira

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Ricarda Maria dos Santos

Ricarda Maria dos Santos

Professora da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Uberlândia. Médica veterinária formada pela FMVZ-UNESP de Botucatu em 1995, com doutorado em Medicina Veterinária pela FCAV-UNESP de Jaboticabal em 2005.

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Influência da estação de nascimento de bezerras girolando no desenvolvimento na fase de cria e desempenho reprodutivo e produtivo

A estação de nascimento de bezerras girolando pode afetar o desenvolvimento na fase de cria e desempenho reprodutivo e produtivo? Entenda!

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Publicado em: - 12 minutos de leitura

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Para o sucesso da criação de bezerras leiteiras os cuidados devem iniciar desde o pré-parto das vacas, com correto manejo de controle sanitário, alimentação, boas instalações e bem-estar. A alimentação da vaca prenhe é de extrema importância para o desenvolvimento do bezerro no terço final de gestação (¹). A nutrição e o metabolismo das vacas em pré-parto afetam não somente a sua saúde como a do feto (²), e podem ocorrer devido as alterações fisiológicas uterinas e nas propriedades do colostro (²).

O final da gestação é o momento no qual o colostro será produzido, e este é o principal componente determinante no desempenho da bezerra e na formação do sistema imune (³). A nutrição da vaca gestante é o principal ponto a ser considerado no período seco, pois determinará como a vaca saudável irá produzir colostro de boa qualidade e diminuirá as chances de ocorrer problemas no momento do parto e após o parto (4). Silva (5) afirma que uma das principais causas de bezerros fracos e pequenos é a subnutrição de vaca gestante. 

A placenta dos bovinos é sindesmocorial, e confere proteção ao feto contra agentes infecciosos (bactérias, vírus), entretanto, ela impede a agem de imunoglobulinas da mãe para o feto durante a gestação (6). Além disso, os neonatos nascem com o sistema imune imaturo, e dessa forma esses animais nascem susceptíveis a infecções e, o que torna necessário a ingestão de colostro nas primeiras horas de vida, para adquirir anticorpos e proteção contra microrganismos patogênicos (7), além da ativação do seu sistema imunológico (8).

O colostro é a primeira secreção láctea após o parto, sua produção se inicia com a transferência das imunoglobulinas maternas para a glândula mamária no final da gestação e encerra com a ação da prolactina após o parto (9). É composto por imunoglobulinas (especialmente IgG), nutrientes, hormônios e fatores de crescimento (10). Portanto, além de garantir nutrição inicial adequada do bezerro, o colostro auxilia na manutenção da temperatura corporal logo após o nascimento, garante fatores de crescimento e imunidade celular e a secreção de hormônios importantes no desenvolvimento do intestino e de suas vilosidades (8,9).

Para uma adequada colostragem, é necessário levar em consideração a quantidade ofertada, o tempo de ingestão após o nascimento e a qualidade do colostro, esses são pontos essenciais para determinar a transferência de imunidade iva (11).

A transferência de imunidade iva (TIP) pode ser avaliada através da coleta de sangue do bezerro até 7 dias após a ingestão do colostro, com a dosagem de proteínas totais do soro do animal utilizando refratômetro de proteínas. Os animais que apresentarem proteínas totais acima de 5,5 d/dL receberam adequada TIP (12). A falha na transferência de imunidade iva (FTIP) é definida quando os animais avaliados 24 a 48 horas após o nascimento apresentam concentrações de IgG sanguíneas menores que 10 mg/ml (8). Para reduzir a FPIT é importante possuir um banco de colostro na propriedade, para suprir a falta de colostro quando uma vaca recém parida não alcançar boa produção ou produção com baixa qualidade de colostro.

As doenças que mais acometem as bezerras durante a fase de aleitamento são a diarreia, tristeza parasitária bovina (TPB), pneumonia e problemas umbilicais (13). Durante o aleitamento podem ser observados taxa média de 10,8% de mortalidade, sendo 60,5% causadas por diarreia ou por outros problemas digestivos, 24,5% por problemas respiratórios e 15% por outros motivos (14). As doenças que acometem os bezerros na fase de pré-desmame, além de afetar economicamente pela perda de bezerros e custo com medicamentos, aumentam os efeitos negativos a longo prazo no desempenho produtivo e reprodutivo (13).

A produção e sobrevivência de um animal depende da capacidade em manter sua temperatura corporal dentro dos limites estreitos (homeotermia), ou seja, é a capacidade de manter a temperatura corporal em níveis constantes, independente das alterações da temperatura ambiente (15). Em casos de extremo frio ou extremo calor, o animal mobiliza sua energia para manter a temperatura do corpo em níveis normais (16). 

O estresse térmico por calor e a hipotermia influenciam as respostas fisiológicas dos animais, tais como: consumo de água, comida, desempenho produtivo e reprodutivo (17). Portanto, entender a interação do animal com o ambiente e sua capacidade de adaptação é importante na adoção do manejo de criação de bovinos leiteiros visando minimizar os problemas e intensificar o desempenho dos animais. 

Os bezerros são influenciados pelas condições ambientais desde o útero de suas mães, visto que vacas que am por estresse térmico durante a gestação, principalmente nos últimos 45 dias de gestação, tendem a parir bezerros mais leves devido o encurtamento da gestação (18). Logo após o nascimento, os bezerros não possuem capacidade de regular sua própria temperatura, dessa forma, efeitos bruscos de temperatura podem aumentar a mortalidade desses animais (19).

Dessa forma, vários pontos devem ser observados para se obter sucesso na criação de bezerros. Baseado nesses fatos, a hipótese é que bezerras nascidas em períodos de primavera/verão, com alta temperatura e umidade média, em que há maior estresse para as vacas gestantes, apresentem maior susceptibilidade ao desenvolvimento de doenças, menor peso ao desmame e consequentemente, menor eficiência reprodutiva e produção de leite na primeira lactação. O objetivo com este estudo foi avaliar a influência da estação de nascimento de bezerras leiteiras mestiças no desenvolvimento e ocorrência de doenças na fase de cria, e no desempenho reprodutivo e produtivo.

Local e animais 

Todos os procedimentos com os animais neste estudo foram conduzidos de acordo com os princípios éticos de experimentação animal do Comitê de Ética em Utilização de Animais (CEUA) da Universidade Federal de Uberlândia UFU).

Os dados foram coletados na Fazenda Experimenta do Gloria, da Universidade Federal de Uberlândia, localizada no município de Uberlândia (latitude – 18.940955 / longitude -48.214724). O rebanho leiteiro era composto por 243 animais, entre vacas em lactação, vacas secas, animais em recria e bezerros em aleitamento. Os animais eram mestiços Girolando, com composição racial variando de 1/2, 3/4 a 7/8 das raças Holandesa e Gir.

Foram avaliadas 74 fêmeas que nasceram entre janeiro de 2018 e março de 2020. A estação de nascimento foi categorizada em primavera/verão (P/V) (outubro a março) e outono/inverno (O/I) (abril a setembro). Do total de 74 bezerras, 37 nasceram nas estações P/V e 37 nasceram nas estações O/I. Todas estas fêmeas foram acompanhadas do nascimento até o final da primeira lactação. 

Manejo, dieta, instalações dos bezerros

Após o nascimento as bezerras eram separadas da mãe, em seguida era realizada a cura do umbigo com iodo a 10%. A mãe era ordenhada manualmente para obtenção do colostro, e este era avaliado com o refratômetro de Brix (modelo IPB 32KT – SPLABOR®, Presidente Prudente, São Paulo, Brasil) antes do fornecimento à bezerra. Colostro de boa qualidade (valor da análise do refratômetro > 21° de Brix) era fornecido para a bezerra com mamadeira ou sonda esofágica quando necessário e após os cuidados iniciais as bezerras eram levadas para o bezerreiro. O manejo realizado após o nascimento até o período da desmama foi realizado por funcionários capacitados, com auxílio e acompanhamento da discente de mestrado responsável pela coleta de dados do estudo.

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O bezerreiro, era do tipo argentino com arame no chão e as bezerras presas por cordas, onde permaneciam por 72 dias até o desmame. O fornecimento de água e alimento eram ad libitum e a composição da ração era de concentrado comercial (milho moído, farelo de soja, farelo de trigo, farelo gérmen de milho, farelo de milho, calcário calcítico, cloreto de sódio, premix vitamínico e mineral, com níveis de garantia de: 14,0 g de proteína bruta; 2,0 g de extrato etéreo; 12,0 g de matéria mineral; 1,5 g de cálcio; 0,5 g de fósforo e 12,0 g de fibra bruta).

O aleitamento era realizado duas vezes ao dia (as 7:00h e as 16:00h), e consistia no fornecimento de leite em pó (Nattimilk; Auster Nutrição Animal, São Paulo, Brasil), na diluição de 8 litros de água para cada 1 kg sucedâneo. 

As bezerras recém-nascidas recebiam o leite de transição, depois o aleitamento era realizado da seguinte forma: 0 a 40 dias - 6 litros de leite por dia; de 41 a 65 dias – 4 litros/dia e dos 66 aos 72 dias era realizado o desmane gradualmente (nos primeiros 5 dias era fornecido 2 litros de leite pela manhã e nos últimos 2 dias 1 litro de leite pela manhã).

Manejo, dieta e instalações das novilhas e vacas em lactação

A fazenda possuía 3 módulos de piquetes para pastagem, sendo 2 módulos de capim Mombaça e 1 módulo de capim Braquiarão, todos divididos em 24 piquetes. Na época da seca as novilhas recebiam silagem e ração no cocho e na época das águas elas eram mantidas a pasto e recebiam ração no cocho.

A ração, produzida na própria fábrica da fazenda, era composta por polpa cítrica (75,20%), milho (20%) e sal mineral (4,8%). As novilhas ao atingirem o peso de 300 kg eram transferidas para o lote de novilhas de inseminação, onde a observação de cio era realizada diariamente e as novilhas detectadas em estro eram inseminadas artificialmente. O diagnóstico de gestação era realizado 32 ± 4 dias após a inseminação por exame de ultrassonografia transretal, e a confirmação da gestação ocorria 45 ± 4 dias após a inseminação por palpação retal. 

O sistema de produção de leite da propriedade era semiconfinamento, onde no período das chuvas (P/V) as vacas em lactação recebiam concentrado no cocho antes das ordenhas, e após a ordenha elas permaneciam no pasto até a ordenha seguinte. E no período da seca (outono/inverno) as vacas recebiam a mistura de silagem (produzido na propriedade) e concentrado no cocho durante o dia todo. 

A ordenha da fazenda era do tipo espinha de peixe, comportando 8 vacas de cada lado e 8 teteiras, sendo 2 destas com extração mecânica. As vacas eram ordenhadas duas vezes ao dia, sendo feito o teste da caneca, pré-dipping e pós-dipping a cada ordenha. A pesagem de leite era realizada a cada 15 dias. As vacas eram tratadas com somatotropina recombinante bovina (BST) a cada 15 dias a partir dos 60 dias após o parto e o tratamento era suspenso quando a vaca produzia menos de 15 litros/dia ou 30 dias antes da secagem.

Variáveis avaliadas das bezerras, novilhas e vacas de primíparas

Durante o período de aleitamento foram coletados os dados de peso ao nascimento, aos 30 dias, 60 dias e no desaleitamento, com fita de pesagem (Bovitec; São Paulo, Brasil). A fita foi posicionada firmemente atrás das escápulas para mensurar perímetro torácico. 

Foi avaliado a incidência das doenças como: tristeza parasitária bovina (TPB), pneumonia e diarreia. Os parâmetros usados eram aferição de temperatura todos os dias antes do fornecimento do leite da manhã, avaliação das mucosas e escore de fezes (20). O monitoramento diário do estado dos animais (alerta, apático) e do consumo de leite, ração e água também foram monitorados diariamente. Quando alguma dessas características se apresentaram alteradas as fêmeas eram consideradas doentes, e o tratamento indicado era realizado.

Foram coletados os seguintes dados das novilhas em fase reprodutiva: data da inseminação fértil e a data do primeiro parto, e a produção de leite foi registrada durante toda a primeira lactação, para as análises foi considerada a aferição da produção de leite mais próxima aos 60 dias, 100 dias, 150 dias, 200 dias e 250 dias em lactação. 

Análises estatísticas

Os dados coletados durante o estudo foram digitados em planilhas do programa Excel (2016). Para as análises estatísticas, os dados da estação do ano do nascimento das bezerras foram agrupados em P/V e O/I. Os dados foram testados para normalidade. As variáveis contínuas: peso (nascimento, 30, 60 dias, desmame), idade na primeira inseminação fértil, produção de leite (60, 100, 150, 200, 250 dias de lactação) foram analisadas por análise de variância, e a variável binomial porcentagem de novilhas leiteiras que pariram durante o período estudado foi analisada por regressão logística, ambas analisadas no software Minitab LLC, LLC, State College, PA, USA), sendo incluído no modelo apenas o efeito de estação do ano. As diferenças estatísticas foram caracterizadas por P ≤ 0,05 e tendência como 0,05 < P < 0,10.

Quais foram os resultados? 

Foram avaliadas 37 bezerras nascidas em cada categoria de estação de nascimento (P/V vs. O/I). Apesar das bezerras nascidas no O/I apresentarem média de peso numericamente maior durante todo o aleitamento (Tabela 1), apenas aos 30 dias foi observada diferença estatística, bezerras nascidas no O/I apresentaram média de peso maior (P = 0,01) aos 30 dias em relação as nascidas na P/V. Porém ao longo do período de aleitamento as bezerras apresentaram desempenho semelhante.

Tabela 1. Peso ao nascimento, 30, 60 dias e ao desmame de bezerras leiteiras de acordo com a estação de nascimento. 

Estação de Nascimento

Peso, kg

Nascimento

30 dias

60 dias

Desmame

Primavera/Verão

42,76 ± 5,59

60,58 ± 2,21a

81,68 ± 2,20

95,73 ± 2,25

Outono/Inverno

42,84 ± 5,68

68,49 ± 2,00b

85,00 ± 2,25

97,04 ± 2,71

Valor de P

0,951

0,010

0,295

0,711

Dados apresentados como média ± erro padrão.

a,b Médias seguidas por letras diferentes na mesma coluna diferem entre si (P<0,05).

Durante todo o período de aleitamento as bezerras foram monitoradas e foi registrado em planilha a frequência de enfermidades de cada bezerra. Não foi detectado efeito (P = 0,886) da estação de nascimento na ocorrência de doenças na fase de cria (Figura 1). As bezerras nascidas na estação O/I apresentaram média de 1,946 eventos de problemas de saúde, enquanto as bezerras nascidas na P/V apresentaram média de 1,919 eventos. Vale ressaltar que a ocorrência de diarreia foi a mais prevalente, seguida de tristeza parasitária.

Figura 1. Média de incidência de doenças em bezerras leiteiras durante a fase de aleitamento de acordo com a estação de nascimento [P/V (primavera/verão), O/I (outono/inverno)]. 

Média de incidência de doenças em bezerras leiteiras durante a fase de aleitamento de acordo com a estação de nascimento [P/V (primavera/verão), O/I (outono/inverno)].

Das bezerras que nasceram no O/I 94,59% pariram e das nascidas na P/V 83,78% pariram, não sendo possível detectar efeito (P = 0,153) da estação de nascimento sobre esse parâmetro (Figura 2). Uma bezerra nascida na estação O/I e seis bezerras nascidas na estação P/V não pariram no período do experimento. As novilhas que não pariram durante este estudo foram devido à morte após o desmame ou descarte.

Figura 2. Porcentagem de novilhas leiteiras que pariram durante o período estudado de acordo com a estação de nascimento [O/I (outono/inverno), P/V (primavera/verão)].

Porcentagem de novilhas leiteiras que pariram durante o período estudado de acordo com a estação de nascimento [O/I (outono/inverno), P/V (primavera/verão)]

A média de idade ao primeiro parto das 31 novilhas que nasceram na P/V foi de 32,71 ± 1,09 meses, enquanto das 35 nascidas no O/I foi de 32,34 ± 0,94 meses, portanto, não foi detectado efeito (P = 0,798) da estação de nascimento sobre a idade ao primeiro parto (Figura 3).

Figura 3. Média de idade ao primeiro parto de novilhas leiteiras de acordo com a estação de nascimento [O/I (outono/inverno), P/V (primavera/verão)].

Figura 3 Média de idade ao primeiro parto de novilhas leiteiras de acordo com a estação de nascimento [O/I (outono/inverno), P/V (primavera/verão)].

Na Figura 4 observa-se a média de produção de leite durante a primeira lactação das vacas avaliadas. Apesar das fêmeas nascidas no O/I apresentarem média numérica maior de produção de leite durante toda a lactação, não foi detectado efeito significativo da estação de nascimento sobre a produção (P > 0,10).

Figura 4. Média da produção de leite na primeira lactação de fêmeas leiteiras de acordo com a estação de nascimento [O/I (outono/inverno), P/V (primavera/verão)].

Figura 4 Média da produção de leite na primeira lactação de fêmeas leiteiras de acordo com a estação de nascimento [O/I (outono/inverno), P/V (primavera/verão)].

Conclusão

Nas condições do presente estudo, as bezerras nascidas na estação outono/inverno apresentam maior peso aos 30 dias de idade, porém esta diferença é compensada durante o aleitamento, não interferindo no desempenho reprodutivo e produtivo.

 

 

Este texto é parte do artigo publicado na Revista Ciência Animal Brasileira | Brazilian Animal Science, v.25, 78655P, 2024.

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Material escrito por:

Fabiana Silva Oliveira

Fabiana Silva Oliveira

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Ricarda Maria dos Santos

Ricarda Maria dos Santos

Professora da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Uberlândia. Médica veterinária formada pela FMVZ-UNESP de Botucatu em 1995, com doutorado em Medicina Veterinária pela FCAV-UNESP de Jaboticabal em 2005.

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