O Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus, da União Europeia, declarou oficialmente 2024 o ano mais quente já registrado e o primeiro ano da história com uma temperatura global média acima de 1,5 °C do período pré-industrial. Segundo o Intergovernamental de Mudança Climática, o ciclo hidrológico está se alterando significativamente, adicionando uma incerteza significativa à disponibilidade hídrica. Estas alterações já ocorrem no presente e serão mais intensas no futuro.
Crise hídrica e clima extremo
Em março deste ano devido à forte chuvas, mais de 100.000 cabeças de animais morreram por inundações que cobriram meio milhão de quilômetros quadrados em Queensland/Austrália. Evento muito semelhante ao ocorrido no Rio Grande do Sul em maio de 2024, considerada a pior tragédia climática da história do estado. Segundo a Emater-RS mais de 15 mil bovinos morreram. Em 2023, em decorrência de um ciclone extratropical no estado, a Emater estimou a morte de 29.356 animais de criação.
Figura 1. Animais isolados devido as chuvas em Queensland-Austrália.
Fonte: Globo
Os prejuízos em termos de perda de animais e de áreas agrícolas serão cada vez mais frequentes em virtude dos cenários climáticos adversos. De acordo com estudos de Ning et al. (2024) com base em diferentes cenários um quarto da superfície terrestre ficará permanentemente seca ou permanentemente úmida até 2050. Os prognósticos alertam sobre o o futuro à água e as condições adversas para produção de alimentos nas regiões afetadas.
As mega secas – períodos de seca que duram pelo menos dois anos – têm se tornado mais frequentes, quentes e devastadoras ao redor do mundo. O Brasil tem enfrentado condições climáticas extremas, incluindo a mega seca de 2024, que afetou quase 60% do território nacional, a mais intensa e generalizada da história do país.
Entre 2013 e 2022, verificou-se que as precipitações e, especialmente, as estiagens severas impactaram a produção alimentar brasileira, acarretando perdas de R$ 260 bilhões. Somente em 2022, as estiagens resultaram em prejuízos de R$ 57,4 bilhões. Dessas perdas, as regiões Nordeste e Sul foram as mais afetadas. O excesso de chuvas acarretou danos maiores na agricultura das regiões Centro-Oeste e Sul, enquanto os efeitos negativos da seca estão concentrados nas regiões Nordeste, Sudeste e Sul. A seca recorde reduziu os rios amazônicos aos níveis mais baixos já registrados.
Todas as regiões leiteiras do país estão e estarão sujeitas aos efeitos das mudanças climáticas. Os impactos projetados variam de acordo com a região, mas no geral concordam com aumentos na temperatura e na evapotranspiração podem acarretar, entre outros efeitos, na maior necessidade de água para irrigação e para o consumo humano e de animais em determinados períodos do ano (ANA, 2019).
Mudanças no clima provocam o aumento da ocorrência de eventos hidrológicos extremos, como inundações e longos períodos de seca. As incertezas oriundas da mudança climática incidirão tanto do lado da oferta como também do lado da demanda hídrica.
O ciclo hidrológico está diretamente vinculado às mudanças de temperatura da atmosfera e ao balanço de radiação de energia terrestre. Com o aquecimento da atmosfera, espera-se, entre outras consequências, mudanças nos padrões da precipitação (alterações na intensidade e na variabilidade), o que poderá afetar significativamente a disponibilidade e a distribuição temporal da oferta hídrica.
Impactos da agropecuária no ciclo da água
A atividade agropecuária pode impactar negativamente o ciclo hidrológico de diversas formas:
- Má gestão do recurso natural, esgotando as fontes de água;
- Extração excessiva, que acelera o esgotamento das fontes superficiais e subterrâneas;
- Poluição pontual e difusa, que torna a água inutilizável se não for tratada.
Diante disso, é essencial nos prepararmos para uma rotina produtiva mais desafiadora, tanto pela escassez quanto pelo excesso de água. Precisamos adotar todas as práticas e tecnologias disponíveis para desenvolver sistemas produtivos mais adaptados aos impactos das mudanças climáticas.
Um exemplo de má adaptação é o uso intensivo das águas subterrâneas como solução para a falta de água na fazenda — uma prática que tem se tornado cada vez mais comum nas propriedades rurais.
Muitos(as) produtores(as) comemoram ao perfurar um poço de boa vazão, mas isso pode representar o colapso da atividade no futuro. Antes de buscar novas fontes, é fundamental entender quanto estamos consumindo e identificar onde há ineficiências no uso da água. Corrigir esses pontos pode ser suficiente para atender às necessidades do sistema produtivo, evitando a captação descontrolada de águas subterrâneas — um recurso que, vale lembrar, é finito.
Como o produtor pode se adaptar às mudanças climáticas
No Quadro 1, apresentam-se práticas e tecnologias que podem ser utilizadas pelos produtores(as) para adaptar a propriedade aos efeitos das mudanças climáticas nos recursos hídricos. Se quiser saber sobre práticas e tecnologias relacionadas a propriedade rural e ao manejo de dejetos, consulte os artigos Mudanças Climáticas: quais as opções de práticas e tecnologias que temos para adaptação e mitigação e Mudanças climáticas e o manejo de dejetos na produção leiteira.
Sempre é bom relembrar que o leite é em média 87% água. Portanto, não tem como produzi-lo sem este recurso estar disponível em quantidade e com qualidade. O clima está mudando e, consequentemente, a oferta de água nas várias regiões brasileiras acompanha esta mudança. A produção leiteira deve estar preparada para os desafios hídricos e climáticos que se colocam, caso contrário, o maior ingrediente do litro de leite será cada vez mais escasso.
Foi-se o tempo em que a água tinha um papel marginal no dia a dia da propriedade leiteira. Ela deve ter papel principal para assim garantirmos a transformação de água em leite!
Quadro 1. Práticas e tecnologias para adaptação hídrica aos efeitos das mudanças climáticas.
Prática(s)/Tecnologia(s) | Efeito(s) | Benefício(s) |
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Nutrição balanceada dos animais | Preciso consumo de água de dessedentação |
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Medição dos consumos de água | Ter conhecimento dos consumos de água por tipo de uso |
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Reuso de água | Redução da captação de água de fontes superficiais e subterrâneas |
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Reuso do efluente tratado | Redução da captação de água de fontes superficiais e subterrâneas |
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Captação de água da chuva | Redução da captação de água de fontes superficiais e subterrâneas |
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Oferta de sombra aos animais | Animais sob melhor conforto térmico |
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Sistema de umidificação nas instalações | Redução da temperatura e aumento da umidade do ar |
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Sistema de ventilação nas instalações | Aumento da taxa de renovação do ar |
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Raspagem do piso antes da lavagem | Menor consumo de água na lavagem |
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Lavagem dos pisos com água sob pressão | Menor consumo de água na lavagem |
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Conservação do solo | Melhoria da saúde do solo |
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Drenagem das áreas da propriedade | Evitar o acúmulo de água |
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Rotina de identificação de vazamentos | Reduzir a perda de água |
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Plano de emergência de riscos hídricos | Reduzir impactos de eventos hídricos |
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Observação frequente dos animais | Identificação de sinais de estresse |
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Capacitação da mão-de-obra | Uso eficiente da água |
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Referências bibliográficas
Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (Brasil). Impacto da Mudança Climática nos Recursos Hídricos no Brasil. Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico. Brasília: ANA, 2024. 96 p.
Caretta, M.A., A. Mukherji, M. Arfanuzzaman, R.A. et al. 2022: Water. In: Climate Change 2022: Impacts, Adaptation and Vulnerability. Contribution of Working Group II to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental on Climate Change [H.-O. Pörtner, D.C. Roberts, M. Tignor, et al. (eds.)]. Cambridge University Press, Cambridge, UK and New York, NY, USA, pp. 551–712, doi:10.1017/9781009325844.006
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Ning Lai, E., Wang-Erlandsson, L., Virkki, V., Porkka, M., van der Ent, R.J. 2024. Root zone soil moisture in over 25 % of global land permanently beyond pre-industrial variability as early as 2050 without climate policy. Hydrology and Earth System Sciences 27(21), 3999–4018. https://doi.org/10.5194/hess-27-3999-2023
Um Só Planeta. Um ano de chuva em poucos dias: mais de 100 mil animais estão mortos ou desaparecidas na Austrália.