O soro do leite é um subproduto da produção de queijo, correspondente à parte aquosa do leite que se separa após a coagulação da principal proteína do queijo, a caseína. Até pouco tempo atrás, ele era associado à externalidade ambiental negativa devido ao descarte inadequado. No entanto, nas últimas décadas, esse subproduto ganhou notoriedade por seu potencial nutricional e funcional, pois é uma importante fonte de compostos bioativos, como proteínas de alto valor biológico, peptídeos e lactose.
Esse reposicionamento do soro de leite no setor lácteo está diretamente ligado às mudanças nos padrões de consumo alimentar. O consumidor contemporâneo está cada vez mais orientado por escolhas saudáveis e produtos com maior densidade nutricional, o que tem impulsionado a demanda por soluções que aliem qualidade nutricional, conveniência e desempenho funcional.
O crescimento do whey protein
Diante desse cenário, a indústria de laticínios ou a investir no processamento e na purificação do soro do leite, resultando na produção de whey protein – uma forma concentrada de suas proteínas. O whey protein se destaca por seu alto teor de proteínas de rápida absorção e pela facilidade de ingestão, fatores que têm fortalecido ainda mais a sua popularização na cesta de consumo dos brasileiros.
Além disso, a crescente adesão à prática de esportes e atividades físicas tem sido um fator determinante na valorização do whey protein. A busca por desempenho esportivo e recuperação muscular tem favorecido o consumo de proteínas de alta qualidade na dieta de atletas.
Esse interesse implica em um maior público consumidor de whey protein. O produto ou a ocupar espaço de destaque na cesta de consumo do brasileiro, impulsionando o surgimento de novos formatos de comercialização, como as bebidas lácteas enriquecidas com alto teor de proteína. A indústria percebeu essa oportunidade e ou a ampliar seu portfólio, oferecendo bebidas prontas para consumo com diferentes sabores e concentrações proteicas, atendendo a um público cada vez mais diversificado.
A diversidade de marcas e sabores tem se expandido e isso é cada vez mais perceptível. De acordo com levantamento realizado no aplicativo Desrotulando ® (aplicativo colaborativo que fornece rótulos de alimentos de produtos comercializados no Brasil), atualmente, já estão sendo comercializadas 21 marcas de bebidas lácteas com alto teor de proteína. Essa lista conta com produtos de diferentes sabores (como chocolate, neutro, cookies and cream e outros), que variam com aportes de 10 a 25 gramas de proteína por porção.
Essa diversidade sinaliza uma expansão do público-alvo de whey protein e bebidas proteicas. Estudos indicam que o perfil inicial de consumidor era composto principalmente por atletas e jovens com objetivos estéticos. Porém, hoje, com objetivos de saúde, muitos idosos têm inserido o whey protein em seu cotidiano como complemento alimentar com foco em saúde, prevenção da sarcopenia e manutenção da massa magra. Isso demonstra que, cada vez mais, o produto se torna relevante na vida de pessoas de diferentes perfis, caminhando para um consumo ainda mais disseminado entre a população.
Diante do exposto, torna-se oportuno explorar o cenário e comportamento desse mercado no Brasil. Compreender a evolução do consumo do soro do leite (seja no formato em pó ou em bebidas lácteas) é essencial para identificar tendências, oportunidades de investimento e possíveis gargalos na cadeia produtiva.
Para isso, foram coletados dados da Pesquisa Industrial Anual (PIA), do IBGE, usando a variável quantidade vendida de soro do leite no Brasil no período de 2015 até 2022, que é o último ano com dados disponíveis. Assim, com o horizonte de 8 anos, a análise objetivou identificar e avaliar a evolução da participação desse segmento na indústria, utilizando técnicas de análise descritiva e comparativa.
Os resultados são expressivos. Em 2022, o volume vendido de soro de leite atingiu 1,7 milhão de toneladas, valor bastante superior à média histórica de 1 milhão de toneladas (Figura 1).
Figura 1. Quantidade vendida de whey no Brasil de 2015 até 2022.
Fonte: adaptado de IBGE.
A Figura 1 permite identificar que, embora os anos de 2017 e 2019 tenham apresentado ligeira queda, de -2% e -6% respectivamente, a série segue claramente uma tendência crescente. Já os anos de 2016 e 2021 destacam-se com os maiores aumentos no período analisado. Ao longo dos oito anos considerados, o mercado evoluiu cerca de 87%.
Em 2016, as vendas tiveram um aumento de 52%, mais que a metade do crescimento dos últimos oito anos. Com isso, o volume vendido de soro de leite alcançou um novo patamar, criando um efeito prolongado na série, alterando a escala em cerca de 482 mil toneladas de soro vendidas por ano. Esse efeito pode ser identificado nos anos seguintes, que mantiveram a faixa de vendas entre 1,3 e 1,4 milhão de toneladas.
No ano de 2021, esse comportamento se repete, mas com uma magnitude menor. Impulsionado pelos efeitos pós pandemia de Covid-19, o comércio de soro de leite alcançou um aumento nas vendas de 17%. Os dados de 2022 dão continuidade à tendência positiva, indicando que esse aumento também terá efeito persistente. Isso indica a consolidação dessa nova fase do setor.
Essa evolução está fortemente ancorada na maior aceitação dos alimentos com tecnologia agregada, como apontam estudos recentes. Os consumidores valorizam a praticidade, a conveniência e o ganho nutricional, fatores amplamente presentes tanto no whey protein em pó quanto nas bebidas proteicas prontas para consumo. A possibilidade de transportar, armazenar e consumir esses produtos com facilidade amplia seu apelo junto ao público moderno, urbano e em busca de soluções saudáveis.
Oportunidades para ampliar produção no Brasil
Apesar da expansão do mercado, o Brasil ainda enfrenta desafios importantes. Dados do MDIC mostram que apenas 15% do mercado brasileiro de soro de leite é atendida por produtores locais. Assim, 85% do consumo é abastecido por importações. Este dado reforça o grande potencial de crescimento da produção doméstica, tanto para atender à demanda crescente quanto para reduzir a dependência externa.
Essa perspectiva de crescimento encontra respaldo em projeções do instituto de pesquisa de mercado Grand View Research, que estima uma taxa de crescimento anual composta (CAGD) de 10,3% para o mercado brasileiro de soro de leite entre 2022 e 2030. A expectativa é que, ao final desse período, a receita com vendas ultrae US$ 608 milhões.
Dados da Associação Brasileira dos Supermercados (Abras) já mostram a relevância das bebidas lácteas whey. No ano ado, a categoria se destacou no consumo domiciliar brasileiro, com crescimento de 10,7% nas unidades vendidas. Esse novo cenário abre um leque de possibilidades para a indústria láctea brasileira.
As bebidas lácteas enriquecidas com whey protein consolidaram-se como uma das inovações de maior destaque, não apenas por atenderem ao público esportivo, mas por conquistarem também consumidores interessados em envelhecimento saudável, controle de peso e suplementação alimentar prática. A diversificação de sabores, formatos e níveis proteicos é um diferencial competitivo e continuará sendo uma estratégia-chave para atrair diferentes nichos de mercado.
Esses números reforçam o cenário promissor para o setor e indicam oportunidades estratégicas para o investimento em capacidade produtiva nacional. A pressão da demanda, combinada com o interesse crescente do consumidor por alimentos funcionais e a ampliação da base de consumidores, sugere um ambiente favorável à entrada de novas marcas, à diferenciação por sabores e funcionalidades, e ao desenvolvimento de produtos com maior valor agregado.
A indústria de laticínios, ao reposicionar o soro de leite como insumo estratégico, encontra uma oportunidade concreta de crescimento sustentável, ao mesmo tempo em que responde de forma proativa às demandas de um consumidor moderno. A aposta em produtos à base de whey, seja na forma de bebidas prontas, sobremesas funcionais, snacks proteicos ou novas categorias ainda em desenvolvimento, pode se tornar um diferencial competitivo essencial nos próximos anos.